No início de setembro já aqui inserimos um post sobre o ensaio de Manon Garcia, acabado de publicar sob o título: «On ne nait pas soumisse, on le devient.». Agora que enceto essa leitura vale a pena evocar qual o propósito desta professora de Filosofia na Universidade de Chicago: atualizar o que Simone de Beauvoir analisara em 1949, com o seu fundamental «O Segundo Sexo», dado que a própria considerara-se influenciada negativamente pelo facto de se sentir submissa a Sartre, mesmo que nele se inspirando.
Enquanto Beauvoir concluía que não se nascia mulher, pois ia-se aprendendo a sê-lo - no que essa condição significava inferiorizar-se relativamente ao homem -, Garcia altera a expressão para outra, melhor adaptável à sua abordagem: “não se nasce submissa, vai-se sendo forçada a sê-lo”.
Garcia questiona então em que assenta essa submissão, que incide sobretudo nas tarefas quotidianas, invariavelmente repetitivas, e atribuídas por tradição às donas-de-casa: as refeições, o cuidar da roupa, a limpeza da casa. Face ao homem a mulher faz-se objeto de quem é livre.
Garcia não descura a possibilidade dessa devoção à família suscitar compensações afetivas, mas que não obstam à dependência subjacente. “As tarefas domésticas não têm nenhuma das virtudes atribuídas por Hegel ao trabalho. Tratando-se de contrariar os aspetos nocivos da sujidade, da desordem e da destruição, impedem a mulher de ganhar consciência de si própria.” (pág. 151) Ao contrário dos proletários, as mulheres estão dispersas, impedindo-se de formarem uma classe capaz de se defender e de superar as relações interindividuais, que as ligam aos homens. A mulher fica acantonada num destino em que o corpo biológico não se transforma em ser social, limitando-se a satisfazer os desejos masculinos e a garantir a reprodução da espécie.
O ensaio de Manon Garcia desenvolve a causa, que já era a de Simone de Beauvoir, de criação de uma fenomenologia da emancipação feminina.
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