Patrício Guzmán, o realizador de «Nostalgia da Luz», está convencido da similitude entre a memória e a força da gravidade. Tê-la é essencial para se sobreviver neste frágil presente. Porque quem não a tem está perdido numa terra de ninguém. É isso que diz no final do filme este chileno nascido em Santiago no ano de 1941 e hoje considerado um dos principais realizadores de documentários.
Tendo estudado cinema no seu país, e depois em Espanha, foi nesta última que se exilou, quando o golpe fascista derrubou o governo de Salvador Allende de quem fora entusiástico apoiante. Depois viveria em Cuba e em França, onde acabaria por se radicar mais duradouramente.
Os seus filmes são diferentes do que costumamos ver nos que pretendem refletir a realidade, porque assumem-se preferencialmente como uma representação, mais do que uma janela para o objeto da sua abordagem. Não se pretendem militantes de causas, porque os problemas sociais são ilustrados poeticamente, mas por isso mesmo mostram-se mais eficazes ao serviço de um mundo mais justo.
Para além da realização e produção de filmes, Guzmán é, igualmente, um transmissor do que sabe em aulas, seminários e conferências, todas orientadas para o seu fito quase obsessivo: a necessidade de transmitir a memória às jovens gerações, sujeitas às estratégias de as fazer amnésicas pelos poderes instalados.
Compreende-se que o filme por que ficámos a conhecê-lo tenham sido as quatro horas e meia de «A Batalha do Chile», que rodou entre 1973 e 1979, para mostrar todo o processo, que conduziu ao golpe de Pinochet. Apesar de ter sido encarcerado no Estádio Nacional de Santiago durante quinze dias, conseguiu que as bobinas já filmadas saíssem clandestinamente do país para que pudessem ser laboriosamente montadas em Havana. Mais de vinte anos depois, em 1997, regressaria ao Chile para procurar os que filmara naquela trilogia, daí resultando outro filme essencial para compreendermos a tragédia ali ocorrida: «Chile, a memória obstinada». Esse esforço seria continuado com os títulos seguintes - «O Caso Pinochet» (2001) e «Salvador Allende» (2004) - nos quais retrataria todo o o horror da ditadura e homenagearia quem procurara viabilizar a transformação socialista com os formalismos da democracia burguesa.
«Nostalgia da Luz» (2010) é uma metáfora sobre o tempo nas paisagens sublimes do deserto de Atacama através dos testemunhos de astrónomos, de arqueólogos e de mulheres incansáveis na busca dos seus desaparecidos.
Cinco anos depois é a Patagónia e o centro da tortura na Villa Grimaldi a servirem-lhe de cenários para colocar em paralelo o extermínio dos ameríndios e dos presos da ditadura, ambos unidos por dois botões, um usado como mercadoria de troca pelos colonizadores espanhóis e o outro descoberto num carril submerso a que fora amarrado um corpo atirado de um helicóptero.
A filmografia de Guzmán conta com outros filmes demonstrativos do afeto com tudo quanto diga respeito ao seu país ou subcontinente. Em 1987, «Em Nome de Deus», era uma homenagem à luta de alguns setores da Igreja Católica pela defesa dos direitos humanos. Em 1992 «A Cruz» evocava a religiosidade popular na América Latina. Em 1995 «Pueblo en vilo» interessava-se pelas memórias e tradições de uma aldeia mexicana. E, em 1999 perspetivava o que poderia unir o mais conhecido herói de Daniel Defoe e Pablo Neruda em «Ilha de Robinson Crusoe».
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