quarta-feira, outubro 17, 2018

(DIM) «O Sentido do Fim» de Ritesh Batra (2017)


Às vezes tenho gratas surpresas, que me apanham desprevenido quanto ao que de bom suscitam.
Foi o que aconteceu com este filme do realizador de «A Lancheira», que me predispusera a ver por ser protagonizado por um dos melhores atores ingleses, Jim Broadbent, sempre associado a projetos de qualidade, merecedores de atenção. Depois, quando no genérico deparei com o nome de Julian Barnes como autor do romance em que se baseara o argumento, soube-me «em casa»: ele é dos escritores vivos, que mais aprecio, sempre me entusiasmando a inteligência das estórias, conciliadas com uma erudição inserida com plena naturalidade no curso da narrativa.
Tony Webster, um velho rezingão, que vive sozinho desde que a mulher o deixou, recebe uma carta da recém-falecida Sarah Ford, mãe da sua primeira namorada. No testamento legara-lhe o diário do melhor amigo de juventude, Adrien Lynn, que estava, porém, na posse da filha. Porque os dias são monótonos na pequena loja de fotografia, que montara depois de reformado, Tony tudo faz para encontrar Veronica e tomar posse do que, legalmente, lhe pertencia.
Alternando entre o acontecido quarenta anos atrás, e o presente em que Tony tenta acomodar a busca desse passado com o apoio à filha, em iminente trabalho de parto,  o filme transforma-se numa reflexão entre o que foi a verdade  nesses tempos distantes e o que deles se recorda. Porque, sem à partida o imaginar, Tony vai consciencializar o quão indesculpável fora a sua atitude quando Veronica o trocara por Adrian. Talvez pela primeira vez na vida vê-se levado a questionar até que ponto a carta em que os insultava pela traição não desempenhara um papel determinante no suicídio do amigo.
As surpresas estão longe de se esgotar nessa dúvida, porque Tony também compreenderá quão ilusórias são as aparências: quando julga que Veronica e Adrian tinham tido um filho, que vê integrado num grupo de adultos com deficiência mental. É quando descobre ter sido Sarah a progenitora desse homem de limitadas competências.
De repente tudo se clarifica para Tony, nomeadamente, a frieza da antiga namorada, que lhe escondera essa verdade alternativa. Porventura aliviado por se sentir isento de culpas pelo trágico fim do amigo, Tony sofre uma alteração radical no comportamento, não só pedindo desculpa à ex-mulher por ter sido o grande responsável pelo fim do casamento, mas também adotando uma atitude bem mais assertiva para quem, como o carteiro que o visita todas as manhãs, tratava com sobranceria.
Acaba por ser um filme, cujo impacto vai muito para além do desfilar do genérico final, porque não se resume ao tão pouco que, sobre ele, fica de chofre aqui anotado. Porque o desconcerto de Tony é o de quem anda à toa na vida, empurrado para um ou outro lado em função dos estímulos alheios e, sobretudo, porque, falando pouco, as mulheres são de uma força, que desmentem totalmente a ilusória caracterização de sexo fraco. E tudo isso servido por excelentes atores pois, para além de Broadbent, há Charlotte Rampling e Emily Mortimer a liderarem um elenco irrepreensível.

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