domingo, outubro 21, 2018

(DL) De bilhete marcado para Lanzarote


Não comecei ainda a ler o último caderno, que José Saramago escreveu em Lanzarote porque, ao contrário, do que era meu hábito, quando saía um novo livro seu, desta feita reservei para a encomenda do Círculo de Leitores a sua aquisição. Mas decerto irei lê-lo com tanta atenção, quanto a que costumava dedicar a outros títulos seus e ciente de colher idêntica satisfação. Porque permito-me citar um pequeno trecho do belo texto escrito por Lídia Jorge para comemorar o vigésimo aniversário do Nobel, poupando-me a caracterizar com bem mais pobres expressões o que ele significou, quer antes, quer depois dessa consagração: “Saramago interpretou, como poucos, no final do século XX, a batalha do homem moderno, ao contrário de outros Nobel que se sentam à sombra do loureiro, foi à luta. Depois desse Outono de 1998, continuou a escrever livros belos, sempre polémicos, e ele mesmo, como  cidadão do seu país e do mundo, voltou a colocar as mãos sem luvas na realidade circundante, disse em voz alta o que muitos só dizem em voz baixa, enfrentou as verdades feitas, ajustou contas, ofereceu-se ao debate e à controvérsia, foi fiel a um temperamento indomável, a uma vida irrequieta e a um talento transbordante. Nunca se sentou.”
Até chegar a Estocolmo e proferir esse belíssimo discurso intitulado «De como a personagem foi mestre e o autor seu aprendiz» - que deveria ser de leitura obrigatória para todos os estudantes do nosso Ensino Secundário - Saramago foi sempre um homem socialmente comprometido e genuinamente humilde no relacionamento com os outros. Quando ele disse que o homem mais sábio, que conhecera em toda a sua vida, não sabia ler, nem escrever, sabemos que é verdade, porque as lições da vida sempre lhe foram mais queridas, que as dos catedráticos, muitos dos quais lhe mereciam desprezo por quanto aparentavam um conhecimento sem proveito para quantos na vida labutam e procuram ser felizes.
Por fazer dos livros uma ferramenta muito útil para quem quiser do mundo ter uma visão que se não esgote no respetivo umbigo (desculpem lá, mas nunca me consigo livrar das bicadas no invejoso!), Saramago terá um reconhecimento duradouro, muito para lá do boicote, que muitos insistem em fazer-lhe apenas porque ideologicamente jamais se quis neutro...

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