segunda-feira, outubro 01, 2018

(DL) «Vinte Mil Léguas Submarinas» de Júlio Verne (4)


Em «Vinte Mil Léguas Submarinas» os três prisioneiros do capitão Nemo concluem que ninguém a bordo sofre da mínima doença.. Desconhecem como, mas o captor parece ter descoberto os segredos da saúde perfeita nas profundezas oceânicas. Ora, a 900 metros de profundidade foram encontrados invertebrados que, através dos seus compostos químicos, podem constituir a resposta para a luta contra o cancro, ainda que não devam ser esquecidos os potenciais riscos tidos como contrapartida desses aparentes benefícios. É que o oceano não é apenas água salgada: existe nele uma tal profusão de microrganismos vivos, que muitos deles podem vir a revelar-se letais no contacto com os seres humanos, já que se conhecem casos de vírus terem provocado a morte de focas, leões marinhos e golfinhos.
Embora seja recordado como um entusiástico defensor dos progressos tecnológicos, Júlio Verne não deixava de estar consciente dos seus perigos. Alguns dos personagens de diversos títulos da sua vasta bibliografia são ecologistas «avant la lettre», assumindo-se como defensores da preservação das espécies. Por isso mesmo, numa das passagens do livro, Nemo desaprova a intenção de Ned Land em arpoar baleias na Antártida, apenas pelo prazer assassino de as matar, quando são afinal seres inofensivos.
Protetor dos mares por onde navegam, Nemo não deixa de ter um lado sombrio, que os três prisioneiros acabam por pressentir, e depois comprovar, quando se veem drogados durante uma refeição para que não testemunhem uma missão secreta de vingança. Quando, horas depois, Aronnax desperta do sono letárgico e é incumbido de assistir a um dos tripulantes gravemente ferido, só pode vaticinar a irreversibilidade do seus estado.  Acabando por falecer, esse homem é sepultado num túmulo de coral. Nemo escusar-se-á a confessar que guerra peculiar empreendeu para que dela resultasse tal vítima. E, mesmo no fim do romance, o espectador não terá resposta para esse enigma. 
Sabe-se que a intenção inicial de Verne era fazer de Nemo um revolucionário polaco em fuga depois dos russos lhe terem matado a família, mas Hetzel, o editor, recusou liminarmente essa caracterização dado o tratado de amizade acabado de assinar entre Napoleão III e o czar. Os riscos políticos de um tal romance não poderiam ser escamoteados, razão porque o autor viu-se coagido a fazer de Nemo o arquétipo de um herói ao jeito byroniano, marcado por um passado doloroso. Esta solução revelou-se bem mais interessante do que seria a pretendida por Verne, porque incrementa mistério à personalidade do capitão, suscitando a dúvida - nunca satisfeita! - sobre quem realmente era.
O lema de Nemo pode resumir-se a isto: “A paz perfeita existe aqui. O mar não pertence a déspotas.” Considera-se um revolucionário internacional, defensor dos oprimidos. O Nautilus faz escala ao largo de Creta a fim de descarregar uma fortuna destinada aos insurretos da ilha. Essa riqueza foi por ele colhida no fundo do mar aonde não lhe faltavam salvados de naufrágios de todas as épocas do passado. Por exemplo ao largo de Vigo, onde Nemo e os seus homens saem do submarino para saquearem uma frota de navios afundados, quando provinham da América carregados de tesouros. Ele só tem de recolher aquilo que outros terão perdido em pretéritas tragédias marítimas.

Sem comentários: