quarta-feira, agosto 10, 2016

(V) Um abanão, que esteve longe de ser uma queda

Na cerimónia dos Óscares deste ano «The Big Short» (quem se terá lembrado de traduzir o título para a sua versão portuguesa, que se revela completamente idiota?) era dado como um dos favoritos, porque concorria a cinco nomeações. Ficar-se-ia, porém, apenas com uma estatueta, a do melhor argumento adaptado.
E, no entanto, o seu projeto inicial teria tudo para que resultasse num dos grandes filmes do ano, já que estamos em plena moda dos «dollaristas», os dedicados a temas financeiros, que encontram apreciadores junto dos que ainda estão atarantados com tudo quanto aconteceu em 2008 e nos anos subsequentes.
Já não basta vivermos num mundo obscenamente desigual, em que uma ínfima minoria tem quase toda a riqueza e os restantes se contentam com migalhas, e são mais do que evidentes os testemunhos de todo o sistema financeiro internacional, que cauciona essas desigualdades, constituir um universo fraudulento com um pequeno número de vigaristas a tornarem virtual uma economia, que deveria assentar rigorosamente na realidade transacionada. SE no passado o universo da banca cultivava uma certa aura de respeitabilidade, as últimas décadas transformaram-no num casino, que atrai os incautos para nele apostarem, comprando casas, carros, viagens e outros produtos de retorno improvável, para que financiem com os seus juros a aposta em pacotes de ações e obrigações cada vez mais opacos.
Se o filme de Mckay aparenta denunciar esta fase de um capitalismo, que só sobrevive graças a estratégias crapulosas, ele peca por dois aspetos essenciais: por um lado parece frequentemente fascinado por esse mundo, que pretenderia criticar; por outro, muito embora se pretenda didático ao ensaiar explicações mais aligeiradas dos complexos termos financeiros a cuja pala era concretizada toda a bolha imobiliária condenada a rebentar, a maioria dos não iniciados em tais matérias ficarão rigorosamente tão ignorantes quanto o eram antes.
O lado mais positivo do filme residiu na originalidade de escolher como protagonistas os que, nada tendo a ver com essa trafulhice global, a detetaram precocemente e decidiram aproveitar-se desse conhecimento para enriquecerem, por muitos problemas éticos, que estivessem subjacentes às suas ações. É que, não esqueçamos, e o filme di-lo claramente, a crise dos subprimes fez de muitos norte-americanos de classe média uns indigentes sem abrigo, porque perderam empregos e casas. E a nível internacional, esteve na origem de todas as dificuldades, que temos vivido desde então à escala europeia e em que os culpados ainda cuidaram de passar para os contribuintes os custos da sua bem remunerada ganância.
Seria desejável que «The Big Short» contribuísse para que mais indignados se juntassem aos que lutam pela declaração de óbito para este sistema de exploração. Mas, desconfio, que os anticapitalistas não conquistaram nenhum prosélito adicional com esta história confusa e acelerada.



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