Nos anos mais recentes sempre me convenci que, por muito distante que estivesse dos grandes filmes de tempos idos, qualquer Woody Allen mereceria mais atenção do que a maioria dos que nos estão disponíveis a cada momento. Mas «Homem Irracional» leva-me a pôr em causa esse pressuposto dado por adquirido. O arranque indicia logo o pior com Joaquin Pheonix no papel de um professor de filosofia depressivo, ainda reconhecido pela genialidade da sua pretérita obra, mas agora reduzido à autocomiseração de não encontrar qualquer sentido para a vida, arriscando-se até a pôr fim a ela com uma citação direta ao «Deer Hunter» de Cimino no episódio da roleta russa.
Como de costume em Allen as citações não são apenas cinéfilas: passam por lá Kant, Kierkegaard, os existencialistas franceses e o Dostoievski de «Crime e Castigo». E também as mulheres decididas a exercerem um papel redentor sobre quem parece tão dessincronizado com tudo quanto se passa à sua volta. Mas eis, que nem o sexo, nem o álcool constituem a panaceia, representada na possibilidade de se cometer um crime perfeito. É a oportunidade para visitar o universo de Patricia Highsmith sem se ter a eficácia de um Hitchcock.
É aí que o filme descamba num conjunto de sequências bem articuladas - nesse sentido o octogenário Allen ainda não perdeu a competência de fazer tudo interligar-se sem falhas! -, mas onde tudo parece excessivo: a reação da amante mais jovem, cujo sentido moral não permite compreender o fundamento de uma atitude, que para o protagonista faz todo o sentido. Para ela, e voltando a uma das cenas iniciais, se estivesse na Holanda sob a Ocupação e os nazis lhe batessem à porta para saber quem vivia no sótão, nunca lhe passaria pela cabeça mentir-lhes, apesar das consequências dessa verdade.
Será esse o interesse maior do filme de Allen: faz ou não sentido infringir a lei em nome de um bem maior do que o mero respeito por ela?
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