Na edição portuguesa de «Daisy Miller e Outros Contos» (Veja, 2008), encontramos esta história, assaz elucidativa sobre as convenções sociais e os jogos de aparências a que elas obrigam.
No início temos um pintor a descrever a sua experiência na primeira pessoa, apresentando-se como artista, que vive arduamente do seu trabalho, não tanto dos quadros dificilmente vendáveis, mas das ilustrações destinadas aos jornais. Não admira que, quando um casal, aparentemente endinheirado, o venha visitar ao atelier ele julgue-os interessados na pintura do seu retrato: “Eu já vira pessoas em dolorosa hesitação antes de afirmar que desejavam algo tão mundano como ser representados numa tela, mas os escrúpulos dos meus novos amigos pareciam praticamente intransponíveis”.
Depressa se desengana, porque o fito da visita consiste em oferecerem-se como modelos face à penúria em que haviam caído desde que o sr. Monarch abandonara o Exército: “Se eles eram agora pobres ao ponto de ter que se rebaixar por cada tostão, nunca teriam tido uma grande margem. As suas boas aparências teriam sido o seu capital, e teriam aproveitado ao máximo a carreira que este recurso definira para eles.”
O narrador começa-os a utilizar para algumas das ilustrações: “foi um pouco sacrificada a minha modelo habitual com as visitas reiteradas dos meus novos amigos. A srª Chuan era muito procurada, nunca em necessidade aguda de trabalho, por isso não me custava dispensá-la ocasionalmente para poder explorá-los melhor”.
Entram então em cena outros dois personagens: Oronte é um jovem italiano quase incapaz de se expressar em inglês, também ele necessitado de trabalho e por isso mesmo contratado como criado e modelo; o outro é Jack Hawley, que estivera ausente vários anos, logo denigre os trabalhos mais recentes do amigo, atribuindo a utilização dos novos modelos como motivo para a quebra na qualidade estética.
Essa impressão confirma-se, quando Jack conhece o casal Monarch: “eram um compendio de tudo aquilo a que ele mais se opunha no sistema social do país. Pessoas assim, todas elas convenção e couro autêntico, com interjeições que interrompiam a conversa, não tinham função possível num estúdio”.
Dando razão ao amigo o narrador vive o escrúpulo de imaginar como os deve dispensar sem lhes afetar a autoestima, mas eles acabam por compreender a inevitável condenação ao desemprego, mesmo procurando evitá-lo, rebaixando-se à possibilidade de se manterem como criados: “Tinham aceitado o seu fracasso, mas recusavam-se a aceitar o seu destino. Curvavam-se com respeito perante a lei perversa e cruel de que o original pode ser bastante menos precioso do que o artificial, mas não queriam passar fome. Se os meus criados eram os meus modelos, os meus modelos poderiam ser os meus criados.”
Uma semana depois, o artista dá-lhes uma quantia em dinheiro para se irem embora e nunca mais deles voltou a ter notícia.
Sem comentários:
Enviar um comentário