Na continuação da abordagem a «L’Horloger de Saint Paul» de Bertrand Tavernier, vale a pena salientar que ele sentiu-se na pele de Samuel Fuller quando este dizia da necessidade de rodar filmes sempre que sentisse cólera contra algo. Ora Tavernier estava indignado com um certo confortozinho autossatisfeito bem francês existente no rescaldo do maio de 68. O juiz de Lyon, que lhe emprestara as instalações para a rodagem das cenas de tribunal dissera-lhe que mais de metade dos pais dos miúdos a quem julgava pediam-lhe penas mais pesadas do que a legislação lhe permitia.
Era contra esse tipo de pessoas, que Tavernier queria fazer o filme, a quem atribuía as culpas pelo ambiente social asfixiante e cobarde. Daí a cena em que se vê uma mulher entrevistada por uma televisão sensacionalista, sem pudor em dizer que “os jovens comportam-se mal porque lhes dão demasiadas liberdades.” Ou que um adjunto de Guiboud fale da obscenidade de um filme apresentado em Cannes, «La Grande Bouffe» (onde um dos atores era precisamente Philippe Noiret).
Tavernier nunca escondeu as simpatias de esquerda, o que lhe valeu a estigmatização de muitos dos seus detratores. Mas a forma de fazer um tipo de cinema político não o impedia de dar prioridade à vertente humana das suas personagens. Estes nunca são estereótipos destinados a ilustrar mensagens direcionadas, surgindo-nos como pessoas reais, de carne e osso, que se interrogam e evoluem. O comissário Guiboud não é um bronco, mas um homem culto e tolerante. E Michel é o tipo de pai, que se esforça por compreender as causas e as circunstâncias em que o seu filho se tornou num assassino. Por isso em vez de procurar argumentos para invocar circunstâncias atenuantes, tenta compreende-lo na integralidade, na sua verdadeira essência.
Será essa, afinal, de melhor se sentir próximo dele!
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