Há cinquenta anos os verões eram tão longos que o tempo parecia parar. Na praia passava horas de molho e quando vinha para a areia era para disputar intensas partidas de futebol.
Debaixo do chapéu é que ninguém nos apanhava que, esse, era território dos adultos. Até porque eram secretas as suas conversas, subitamente interrompidas quando junto deles chegávamos. Aqui e além percebíamos que falavam da guerra em África ou do tal vizinho a quem tinham vindo buscar de madrugada para nunca mais ser visto.
Tínhamos então dez anos e acreditávamos que a felicidade era eterna.
Nos dias em que a praia não era opção, a alternativa era a leitura na marquise. Tínhamos os Cinco e os Sete, mas também a coleção de livros de aventuras com o Tom Sawyer, o Huckleberry Finn, o Robinson Crusoe ou a Moby Dick. Personagens e intrigas que facilitavam a evasão, o desejo de viajar para muito longe. Mas também contávamos com os livros de quadradinhos da Coleção Falcão, do Mundo de Aventuras ou do Jornal do Cuto.
Foi para esse passado que remeteu a distribuição recente de alguns desses exemplares com a revista semanal da Impresa.
O major Alvega, o Fantasma ou o Mandrake: heróis que serviam há meio século para combater o tédio das horas de canícula dentro de casa e a que, agora, regressei com a curiosidade de saber que tipo de mentalidade nos era por eles formatada.
Para além da indigência do mais linear dos maniqueísmos está lá tudo quanto era necessário para alimentar preconceitos racistas, colonialistas e até antissindicais. Que grande ferramenta tinha então o regime para criar gerações de ingénuos dispostos a servirem de carne para canhão em África!
Felizmente que tudo isso começava a ser compensado pelo silêncio a que nos obrigavam por se ouvirem, noite adentro, as emissões radiofónicas em português emitidas de muito longe. Elas continham o outro lado das estórias que nos queriam impingir.
Meio século depois não falta quem nos queira continuar a convencer de narrativas falsas de que, por higiene mental, nos deveremos distanciar! E obrigando-nos a descobrir o outro lado, o mais verdadeiro, de cada uma dessas estórias...
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