O que levou Bertrand Tavernier a interessar-se pelo romance de Georges Simenon não foi a possibilidade de, com ele, fazer uma réplica de um mau filme policial norte-americano. Por isso, quando o filme começa já o crime se consumou, não existindo qualquer dúvida quanto a quem o cometeu e não havendo nenhuma peripécia movimentada quando da sua captura.
Outra originalidade residirá na escolha do protagonista, que não deixa de ser um personagem «exterior» ao caso de polícia. Dando tempo ao tempo e até convidando a algum recuo, «L’Horloger de Saint-Paul» é Michel Descombes, que irá fazer o balanço de tudo quanto viveu, ao mesmo tempo que olha e ouve quanto ocorre à sua volta. É assim que, no meio da confusão dos ambientes judiciários ou das solicitações mediáticas, ele identificará algo a que nunca prestara atenção: quem é efetivamente o seu filho. Sente por ele afeição, mas é algo de teórico, de socialmente óbvio, sem constituir algo de mais forte, de genuíno.
Tavernier confessaria que, estando em causa o relacionamento de um pai com um filho, pretendia evitar a convenção de pôr o primeiro a dar lições ao segundo, como era comum nos filmes com Jean Gabin. Não estamos, pois, confrontados com um qualquer conflito de gerações, porque, aqui, ninguém tem razão ou deixa de a ter, eximindo-se o filme de cair na tentação do juízo moral. Assim, a relação de Michel e de Bernard nunca passa pela culpabilidade ou pelo remorso, situando-se antes na progressiva aceitação um do outro.
Michel irá tomar consciência de certas realidades até então desconhecidas, quando começa a contactar com personagens exteriores ao seu núcleo familiar. A um jornalista, que o pressiona a exprimir-se, responde assoberbado: “Mas o que quer que lhe diga? Nem sequer sei quem é o meu filho. Não lhe vou repetir o que lhe costumava dizer, porque deixou de fazer sentido. Nem sequer lhe ousaria falar nesta altura. (…) Ele nada espera de mim, porque se assim fosse, teria vindo confiar-se a mim, não é?”
Depois, já com uma antiga governanta, Madeleine, começa a medir quanto desconhece do rapaz, em tudo quanto não disseram um ao outro e os distanciou.
Quando, mais tarde, pai e filho poderão dialogar, Michel conta-lhe uma história da sua juventude, que nada tem a ver com o que acabou de acontecer. Mas o essencial não está no conteúdo, mas na intenção de se voltarem a falar.
Michel passa também muito tempo na conversa com o comissário Guiboud, superiormente interpretado por Jean Rochefort. Inicialmente é este último quem fala, descriminando os lugares comuns sobre o mundo, a juventude e os filhos. Mas, depressa, ele também acaba por confessar a existência de um filho mais ou menos da idade de Bernard, que, embora se prepare para entrar na polícia, tem slogans subversivos afixados nas paredes do quarto. Explicar-se-ia, assim, o interesse que dedica ao filho do interlocutor: “como nada compreendemos dos nossos filhos, procuramos entender o que se passa com os dos outros.”
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