Há inventos que têm o condão de alterar por completo os padrões civilizacionais da humanidade. A descoberta do fogo terá sido um exemplo ancestral, mas mais recentemente podemos dar como exemplos a máquina a vapor, a utilização prática da eletricidade, o transístor e os computadores. Mas a que tudo mudará nos próximos anos tem a ver com a revolução genética garantida pela utilização intensiva da técnica CRISPR. É ela que, com custos moderados, permite alterar o ADN das células, permitindo aplicações práticas na medicina ou na indústria agroalimentar.
Se soluções mais tradicionais permitiram a cura de milhares de pacientes acometidos da fatal hepatite C, a manipulação genética promete cura para o cancro e para a grande maioria das doenças ainda consideradas como irreversíveis, quanto muito crónicas.
Estarão as nossas sociedades preparadas para esperanças de tempo de vida mais dilatadas? Como se conjugarão as pressões da demografia com a redução drástica do volume de emprego causada pela utilização intensiva de equipamentos automatizados, robotizados?
Marx ensinou-nos que os sistemas económicos e as organizações sociais dependem totalmente do tipo de meios de produção e de quem os possui.
Por isso a espécie humana evoluiu do feudalismo para o capitalismo e, pensava-o o autor do «Capital», deveria evoluir para o socialismo. Se o comércio criou a burguesia, que cedo almejou substituir a aristocracia no poder, a Revolução Industrial veio sustentar um sistema assente na banca e nas trocas de dinheiro em vez de mercadorias.
Agora que a financeirização da economia global atingiu o desvario de se pretender transferir para uma realidade virtual onde grande parte dos fluxos monetários nada tem a ver com bens corpóreos e transacionáveis, as transformações propiciadas pela conjunção da lógica cibernética com a manipulação genética promete transformar a civilização humana em algo de imprevisível. Embora caiba a quem observa tal transformação orientá-la para os valores republicanos de um sistema social e económico, que nunca se concretizou de facto, depois das tentativas falhadas ensaiadas na União Soviética, na China, em Cuba ou na Venezuela.
Haverá os que desejarão reaferir os falidos modelos sociais-democratas na versão escandinava a essas mudanças, mas se eles já se revelaram tão frágeis perante o assalto do neoliberalismo da escola de Chicago, como poderia encontrar ânimo e talento para se constituir panaceia ideológica num mundo à toa nas suas desencontradas evoluções?
Pessoalmente continuo a encontrar no marxismo e até no socialismo utópico dos precursores de Marx mais respostas para os impasses atuais do que em nenhuma outra proposta: é que sobram os proponentes de soluções parciais, até mesmo segmentárias, da nossa realidade social e económica, mas andamos carecidos de quem todas elas congregue num discurso consistente, coerente e global.
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