Miguel Real saúda «Era uma vez um homem» de João Nuno Azambuja como uma nova presença a ter em conta na atual literatura nacional. E evoca Céline (o odioso Céline!) como possível inspirador, muito embora o autor refira o «FMI» de José Mário Branco como alternativa bem mais simpática para quem, como eu, coloca o colaboracionista francês no seleto grupo dos crápulas em forma de pretensos génios.
Nessa entrevista a Luís Ricardo Duarte (“JL” de 20 de julho), Azambuja conta um episódio curioso consigo passado: “E então começa a contar a vez em que foi a Valpaços, em Trás-os-Montes, à casa dos sogros onde costumava passar férias. Levava consigo uns bolbos que pensava plantar no jardim, mas o projeto arrastou-se, sem concretização. A ideia até lhe pareceu desapropriada e antes de regressar a Braga, onde vive com a mulher e o filho, deixou, esquecidos, os bolbos em cima de um banco, numa das suas salas dos fundos, muito mal iluminada.”
Nunca mais pensou no assunto. Mas quando voltou a Valpaços descobriu uma “flor lindíssima” que, aproveitando ao máximo uma nesga de luz que entrava pela janela “lutou pela vida”.
Esperar-se-ia que uma tão esperançosa experiência pessoal, demonstrativa do sucesso contra toda a lógica das circunstâncias, desse lugar a uma história redentora. Engano nosso: o romance é a Historia de um desgraçado a quem não há mal que lhe não suceda. Apesar de licenciada não ganha o suficiente para sobreviver, quanto mais para pagar as contas da cave alugada da qual é corrido.
A mulher, que ele tanto amara, trocara-o por um outro que, compreensivelmente, se torna no seu ódio de estimação. Reduzido à mais desesperada indigência, pretende ter sexo com uma prostituta brasileira e nem ereção consegue. E ainda acaba envolvido num acidente que o deixa tetraplégico.
Com tudo isso o romance na primeira pessoa do singular só pode ser muito próximo do vómito. Mas um dos júris de um dos principais prémios literários adorou (o da UCCLA) e o livro aí está nos escaparates.
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