À partida até poderíamos socorrer-nos da psicanálise para explicar o caso de Magda Goebbels que, agora, se confirmou ter por pai biológico um judeu assassinado em Buchenwald. Aparentemente ela constituiria exemplo lapidar do principio de detestarmos nos outros, aquilo que mais odiamos em nós mesmos.
Explicar-se-ia, assim, o entusiasmo pelo nazismo ao ponto de, no momento do suicídio, coincidente com o de Hitler e Eva Braun na sala ao lado do bunker de Berlim, tenha assassinado os seis filhos por não ser a Alemanha doravante merecedora de os ter como seus cidadãos.
Que mãe desnaturada é capaz de praticar tão hediondo crime?
A biografia de Magda deixa-nos atónitos com o que pode representar um caso extremo de arrivismo. É que em jovem, e ciente da sua origem judaica, ela andara perdida de amores por um dos principais teóricos do sionismo, só por acaso tendo escapado ao destino de se enfileirar numa comitiva destinada a um dos kibutz então em formação na colónia britânica da Palestina.
Apesar de não se lhe reconhecerem grandes atributos de beleza, ela conseguiu desposar um riquíssimo industrial alemão, muito mais velho do que ela, e de cujo divórcio garantiria a condição de uma das mais ricas descomprometidas da cidade de Berlim na viragem para os anos trinta, objeto de desejo dos mais ambiciosos peralvilhos.
A relação e posterior casamento com o futuro ministro da Propaganda do III Reich tem um objetivo em vista: só os nazis estariam em condições de lhe salvaguardarem a riqueza herdada do ex-marido contra os comunistas, por quem tinha profundo ódio. Não admira que se tenha enchido de fervor patriótico e de prosápia ariana numa das primeiras manifestações em que pôde ouvir Hitler.
Durante doze anos, ou seja acompanhando toda a ascensão e queda do regime nazi, Magda esteve no topo do mundo, apresentada a todos os alemães como o paradigma da dona-de-casa ariana cujo exemplo deveria ser escrupulosamente seguido. Quem é que nos cada vez mais dilatados domínios do Reich ignorava a identidade dessa loura, que surgia amiúde ao lado do marido e do próprio führer?
Saberiam Goebbels e o próprio Hitler - seu provável amante - que ela era efetivamente judia? Teria ela conseguido apagar dentro de si as memórias do progenitor cuja morte não lhe parece ter suscitado qualquer reação e cujo destino teria podido, mas não querido alterar?
Se é verdade que o hábito faz o monge, levando-o a forçar-se a acreditar no que, à partida, não lhe faria qualquer sentido, podemo-nos interrogar no que terá sentido Magda ao suicidar-se no estertor do nazismo. Terá tido a noção que, quinze anos antes pusera todas as suas fichas na casa de um tabuleiro de jogo acreditando no superjackpot estando afinal a assinar a sua sentença de morte?
Nunca poderemos imaginar o que se passaria na sua mente. É que se Hitler conseguiu congregar tantos monstros à sua volta, Magda sempre deu a ideia de a quase todos suplantar em perversidade, em malvadez...
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