Bertrand Tavernier já passava dos trinta anos, quando assinou a sua primeira longa-metragem, «L’Horloger de Saint-Paul». Mas engane-se quem pense, que se tratava de um desconhecido no cinema francês: apesar de ter estudado Direito, dedicara-se intensivamente à crítica cinematográfica, defendendo com entusiasmo alguns dos cineastas norte-americanos mais do seu agrado. Além de publicar os seus textos na «Positif, nos «Cahiers du Cinema» e noutras conhecidas publicações dedicadas à cinefilia, também coassinara um livro com Jean-Pierre Coursodon sobre o seu tema de eleição: «Trente ans de cinema américain».
A oportunidade de transitar da teoria para a prática aconteceu quando o produtor Georges de Beauregard lhe possibilitou a realização de sketches em filmes coletivos, quer em 1963 («Les Baisers»), quer em 1964 («La Chance et l’Amour»). Mas como se sentiu demasiado inexperiente para avançar decididamente para projetos mais ambiciosos, Tavernier contentou-se em ser assessor de imprensa desse mesmo produtor, quer para a promoção dos seus filmes, quer para a reabilitação de outros títulos imerecidamente esquecidos.
Dez anos depois cometeu um sacrilégio à luz do que eram os usos e costumes da Nouvelle Vague, ao convidar Jean Aurenche e Pierre Bost para com ele criarem o argumento para um filme dedicado aos diretores da Gestapo francesa durante a Ocupação nazi. Ora, Truffaut já verberara um e outro num célebre artigo de janeiro de 1954 sobre o chamado «cinema à papa».
Não havia em Tavernier a intenção de confrontar-se com os cineastas, que marcavam então a moda no cinema francês, e aos quais ele próprio apoiara, mais ou menos entusiasticamente nos seus textos, mas reconhecia a tais argumentistas a capacidade para estruturarem rigorosamente a história e conferirem consistência aos personagens.
Foi quando esse projeto ficou pelo caminho, que Tavernier virou agulhas para um romance de Georges Simenon intitulado «l’Horloger d’Everton», mantendo o convite aos mesmos colaboradores.
A primeira alteração que decidiu fazer no projeto foi a do local onde se passaria a ação: em vez dos Estados Unidos como sucedia no livro, transpô-la para Lyon, a sua cidade natal, cujas idiossincrasias se esforçou por replicar.
Num livro de Jean-Luc Doiun dedicado à sua obra, Tavernier explica que pretendeu representar uma cidade inesperada por detrás das suas paredes com pátios de cores florentinas bem no interior de um tipo de arquitetura insuspeitada. E descontados os bairros mais ricos, ilustrara uma cidade povoada de gente generosa à qual se ficava necessariamente afeiçoado.
“Quando rodei ‘L’Horloger de Saint-Paul’ quis destruir alguns lugares comuns, escusando-me a utilizar Fourvière ou a praça de Bellecour. Quis encontrar o ambiente dos apartamentos com enormes pés-direitos, dos pátios com crianças barulhentas a gritar e de restaurantes com mesas de mármore”.
Para tornar credível esse clima Tavernier recusou filmar em estúdio, e muito menos em Paris, levando toda a sua equipa para a parte velha da cidade escolhida para situar o enredo.
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