«Barry Lyndon» continua a ser considerado pela crítica o filme mais interessante de quantos se encontram em exibição nos ecrãs lisboetas.
Em texto anterior já referi o prazer que me deu revê-lo com a máxima disponibilidade para fruir as quase três horas em que se conta a história de um jovem irlandês de parcos meios capaz de, graças ao seu engenho, alcandorar-se a uma posição social de relevo na Inglaterra do seu tempo. E de como rapidamente volta a cair na miséria, igualmente por culpa do seu egocentrismo, que o leva a trair a mulher por quem conseguira essa acelerada ascensão social.
Esquecendo voluntariamente as tais circunstâncias, que me vão ditando o presente e o futuro próximo, voltei a ter aquela sensação de magia proporcionada pelo Cinema com letra bem grande, quando se trata de obra maior de um dos seus mais talentosos criadores.
É interessante comprovar a diferença da intriga imaginada por Thackeray em comparação com as de Dickens, seu contemporâneo, para quem a mesma possibilidade de chegar a estatuto social mais elevado era obtido a partir da generosidade benemérito dos endinheirados, que tratavam de fazer de algumas crianças do povo, suas protegidas.
Barry Lyndon não é um herói positivo e os espectadores do filme facilmente se dividem entre os que defendem ter ele tido a merecida punição do seu comportamento crapuloso e os que o veem como vítima da coligação de forças (o clero de mãos dadas com os aristocratas), que nunca terão aceite de bom grado a intromissão de tão ambiciosa personalidade no seu meio privilegiado.
Mas Thackeray no romance, e Kubrick na sua rigorosa adaptação, não mostram qualquer simpatia pelo enteado de Lyndon, que lidera a conspiração destinada a erradica-lo de casa. Nomeadamente na cena do duelo entre ambos, há grandeza na forma como Lyndon prescinde do tiro, que poderia matar o inimigo e é, depois, por ele atingido na perna, que terá de lhe ser amputada.
Nesse sentido Dickens é um autor bem mais indicado para os corações piegas, enquanto Thackeray dá do seu tempo um retrato avesso a qualquer maniqueísmo. Porque todos os seus personagens acabam por ter razão, apenas porque se trata da sua razão. E, nesse sentido, corresponde a obra menos datada na sua sempre reiterada atualidade...
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