O artigo de António Valdemar hoje inserido no «Público» e tendo por título “Manifesto Anti-Dantas, atualidade e permanência” é muito interessante não só por se inserir nas comemorações do centenário do conhecido texto de Almada Negreiros, mas por sugerir algumas questões pertinentes nem sempre trazidas à luz do dia.
É verdade que o Dantas era um “pantomineiro” capaz de representar o que mais de aproximado tivemos do personagem de «Zelig» tal qual o representou Woody Allen: monárquico entusiasta no tempo de D. Carlos (e «A Ceia dos Cardeais» terá sido criada para mais facilmente aceder à Corte!), logo se colocou ao serviço da Revolução Republicana, quando a pressentiu vitoriosa no dia 5 de outubro de 1910. Por isso mesmo apresentou-se a Machado de Castro na Rotunda para oferecer os seus préstimos como médico. Depois revelou-se um zeloso apoiante de Afonso Costa durante os anos mais consequentes do regime republicano para logo aderir ao salazarismo após o 28 de maio. Mais tarde, quando pressentiu a possibilidade de sucesso da Oposição com o resultado definitivo da II Guerra Mundial escreveu uma «Antígona», onde muitos viram Salazar retratado na personagem do execrável Creonte.
Descrente da possibilidade de vitória de Delgado, assinou um documento de várias múmias do regime contra o «obviamente demito-o», mas sentindo-o novamente a fraquejar logo aceitou apoiar a candidatura do então proscrito Aquilino Ribeiro ao Nobel da Literatura na mesma altura em que o sabia a contas com os sinistros juízes do Tribunal da Boa Hora.
Dantas representou, pois o exemplo maior do vira-casacas, daquele que é capaz de olhar para as tendências iminentes à sua volta e antecipar-se-lhes na medida do possível para manter a presença na tribuna vitoriosa.
Embora não se lhe possa comparar em habilidade, temos como seu émulo recente o efémero secretário da Cultura de Passos Coelho, Francisco José Viegas, que acedeu lesto ao convite da direita para servir de caução literária num governo inculto e logo cuidou de sair da carruagem quando a sentiu desconjuntada com os desmandos de Gaspar ou de Portas.
Mas, muito embora seja deliciosa a interpretação do Manifesto por parte de Mário Viegas, não podemos esquecer que Almada Negreiros, apesar de muito talentoso sempre foi um reacionário a nível político. Na altura em que escreveu o texto militava nas hostes monárquicas e colaborava num jornal destinado a contestar as políticas da emergente República. E, mais tarde, não enjeitou o convite de Salazar para, em 1960, assumir as funções de procurador à Câmara Corporativa. Reconhecido, o ditador atribuiu-lhe a Grande Ordem de Santiago Espada no ano seguinte.
Podemos admirar a obra pictórica de Almada, mas dele não podemos ignorar que foi um dos principais criadores dos cartazes propagandísticos do regime instaurado a partir do golpe de 28 de maio, nomeadamente o do SPN que incentivava à votação na Constituição de 1933.
Sem criticar o regime, mesmo não lhe mostrando a subserviência do Dantas, fez vitrais, selos, tapeçarias e azulejos alusivos aos valores do Estado Novo. Num dos seus cartazes da segunda metade dos anos 30 inseriu a divisa de Salazar «Tudo pela Nação».
Não esqueçamos, a concluir, o seu entusiasmo com as encomendas recebidas para a Exposição do Mundo Português da autoria da Comissão presidida por… Júlio Dantas.
Na história do Manifesto não haverá, pois, que diabolizar Dantas e sacralizar Almada porque, mesmo com talentos distintos, ambos colheram os benefícios de apoiarem o regime fascista. A ambos cabe pois dizer … PIM!
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