Há meia dúzia de meses morreu o meu primo João Carlos, que vivera a experiência da Guerra Colonial em Moçambique, na zona de Tete, e de lá viera moderadamente traumatizado depois de meses de comissão a embalar corpos de colegas mortos para embarcarem nos navios, que os trariam para o Continente.
Não lhe conheci as reações violentas de outros casos similares ou as reações extemporâneas de quem é capaz de se atirar para o chão numa paragem de autocarro por causa do súbito deflagrar de um escape. Apenas fui verificando que esse período da sua vida era para ser silenciado, se não mesmo esquecido à conta de paliativos de substituição.
No funeral constatei que nunca com ele falara sobre tal experiência, dela sabendo menos do que a sucedido com o avô de ambos a quem, até morrer quando eu tinha catorze anos, ouvira abundantes descrições de tudo quanto vivera nas trincheiras da Flandres durante a Primeira Guerra Mundial.
A Guerra Colonial tornou-se num tabu do imaginário nacional, porque sendo uma guerra injusta, condenada pelos ventos da História, viu nela passar gerações de rapazes forçados a rapidamente confrontarem-se com terras, populações e situações para as quais a vida até então não os preparara.
É por isso que um filme como «Cartas de Amor», que se estreará na quinta-feira, tem assinalável importância por nos devolver uma história, que permanece recalcada nesse coletivo comprometido. Não deixa de ser curioso que, a exemplo de «Tabu» de Miguel Gomes, também sobre a presença dos portugueses em África, ambos os realizadores optem pela fotografia a preto-e-branco, porque aquele que é um universo colorido, está condicionado pela memória de uma época marcada pelo maniqueísmo da propaganda fascista, se não mesmo pela lógica constante de matar e não morrer.
Confesso que comecei por sentir algum preconceito com este projeto: tenho uma antipatia muito própria por Lobo Antunes, que nunca deixou de ser o despeitado por não lhe ter cabido o Nobel atribuído (muito mais merecidamente a Saramago!). Mas, porque não há muito material narrativo sobre que se possam basear os realizadores, e Ivo M. Ferreira assumiu a liberdade de criar a sua própria narrativa a partir do material que lhe serviu de ponto de partida, este será filme de visão obrigatória, quando regressar a Lisboa depois do período de férias a viver nos primeiros dias de setembro.
É que pelo trailer aqui linkado pode-se constatar a belíssima estética de uma realidade histórica, cuja catarse ainda está por se concluir.
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