segunda-feira, maio 06, 2019

(VOL) Sutera, Sicília: terra de refugiados?


Estive poucas vezes na Sicília e, em nenhuma, dei com sinais ostensivos da omnipresença mafiosa. E, no entanto, ainda estavam por acontecer em Palermo os assassinatos dos juízes Falcone e Borsellino. Se coisa surpreendente vi foi o hábito de comer gelado com pão, mistura esquisita, imprópria até para um guloso como sou. Mas atentei, igualmente, naquele amarelo-acastanhado das montanhas circundantes, antes e depois vislumbradas nos filmes ali rodados e ambientados.
Sutera é uma pequena comuna situada a setenta quilómetros da capital, e onde se estabeleceu uma pequena comunidade de africanos, para ali deslocados para compensarem a desertificação imparável de todas as regiões rurais da ilha, parcas em empregos ou outras oportunidades honestas de sobrevivência.
Um documentário da BBC entrevistou duas negras, oriundas da Nigéria e da Costa do Marfim, e tendo ainda presente o calvário vivido para atravessarem o Mediterrâneo a partir da Líbia. Por agora descreviam-se no melhor dos mundos, como se imbuídas do otimismo de Pangloss, até porque os vizinhos prodigalizavam-lhes fartas manifestações de apreço. Mas, por trás desses sorrisos abertos, ficava-nos a questão de perceber como, não dando aquela terra para os que dela fugiram a sete pés, como poderá acolher quem veio do outro lado do mar em busca dos prometidos paraísos verdejantes?
O compositor e músico Blick Bassy, que veio dos Camarões para se estabelecer em Bordéus, responde aos xenófobos, defensores da lógica de deportação de todos os africanos para África, que isso poderia ter alguma legitimidade se no passado, no presente e, quase por certo no futuro, não pilhassem as riquezas naturais ali existentes. Pode-se, assim, questionar a justeza de, privados dos recursos necessários para a sua sobrevivência, as populações subsarianas acorrerem em massa para o continente europeu?
Preocupada com os extremismos também se assume a veterana combatente feminista, que dá pelo nome de Erica Fisher, indignada com a forma como o seu próprio país caiu na alçada de um governo hediondo, eivado de comportamentos erroneamente entendidos como definitivamente ultrapassados. Mas podemo-nos admirar com a crueldade dos homens, quando o naturalista David Attenborough revela-nos, num documentário filmado no Jura, como, a pouca distância entre si, uma supercolónia de formigas vermelhas assimila as que se lhe pretendam vir a associar, ao contrário das agressivas vizinhas, prontamente dispostas a condutas homicidas contra as que se arrisquem a passar por perto dos seus territórios?
A realidade é essa: no melhor e no pior, os comportamentos dos humanos e da vida selvagem continuam a revelar semelhanças desconcertantes.

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