terça-feira, maio 21, 2019

(DL) «La plus précieuse des marchandises» de Jean-Claude Grumberg


Conhecemos o mesmo dilema de uma personagem concebida por William Styron, a quem Meryl Streep deu o rosto, quando «A Escolha de Sofia» teve adaptação para o cinema. Naquele caso uma mãe, na novela de Grumberg um pai, que olha para o filho e para a filha e pensa qual sacrificará para dar ao outro maiores hipóteses de sobrevivência.
A mais preciosa mercadoria, presente no título, é esse bebé atirado por entre as grades do vagão com destino a Auschwitz, quando o comboio para à beira de uma floresta. O pai não sabe, mas existe uma mulher, casada com um lenhador, que, desconhecendo o conteúdo do que transportam, costuma ir à beira dos carris na esperança, que desses comboios caia algo de aproveitável, capaz de mitigar a miséria em que vive.
Essa mulher, que apanha a criança do chão, é tomada de inabalável epifania nesse mesmo instante. Doravante tudo fará para salvar essa criança, garantir-lhe a sobrevivência, mesmo contra a opinião do lenhador, até então convencido de terem sido abençoados por não possuírem progenitura, tendo em conta as dificuldades em conseguirem o suficiente para não passarem fome.
Estamos, pois, numa história de sobrevivência, de amor e de morte.
Grumberg é, ele próprio, filho de deportados: em 2 de março de 1943 tinha três anos, quando assistiu à detenção do pai na casa em Paris, onde moravam. Levado para Drancy, desapareceria nos fornos crematórios, a exemplo de outros membros da família, que lhe acentuaram essa necessidade permanente de escrever sobre o Holocausto por dever de memória. Tanto mais que uma tragédia, cujo horror convencera quase todos de ser irrepetível, volta a tornar-se possível segundo os inquietantes sinais quotidianos dados pelas notícias. Por isso, o escritor que conhecêramos como autor do romance adaptado por François Truffaut para realizar «O Último Metro», com Depardieu e Deneuve, assume a missão de, através da sua escrita, valorizar a importância da vida e de como ela deve ser prezada. Como se o simples facto de escrever constitua a vingança possível sobre esse passado, que não deveremos esquecer.

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