domingo, maio 26, 2019

(DIM) «O Corredor do Silêncio» de Samuel Fuller (1963)


Numa entrevista ao Canal Q o diretor de fotografia Vasco Pimentel assinalava uma das mais interessantes características do cinema de Samuel Fuller: logo no início de cada um dos seus muitos filmes vemo-nos apanhados a meio da ação, não nos sendo possível discernir quem serão os bons ou os maus, relativamente aos quais possamos tomar um juízo subjetivo. Daí a sensação desconcertante de nos falharem referências, de aterrarmos numa terra de ninguém.
Ora o mesmo Vasco Pimentel formula o desejo de que sempre assim acontecesse: em vez de nos ser dada a papinha toda, poupando-nos ao exercício da inteligência para interpretarmos o que vemos no ecrã, deveríamos prolongar esse desnorteamento por todo o filme, vivenciando a experiência cinematográfica como algo de transformador, ao coagir-nos à reflexão sobre o filme e o comportamento dos seus personagens.
Andamos necessitados de um cinema, que nos respeite como adultos em vez de nos tratar como adolescentes mais preocupados com as pipocas e a coca-cola do que com quanto se passa diante dos seus olhos...
«O Corredor do Silêncio», de 1963, é tido como um dos melhores filmes de Samuel Fuller, tendo sido escolhido para integrar a criteriosa seleção de filmes da Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. À partida temos um jornalista chamado Johnny Barrett, interpretado por Peter Breck, que imagina um plano engenhoso  para ganhar o prestigiado Prémio Pulitzer, conseguindo ser internado num hospital psiquiátrico onde ocorreu um homicídio por esclarecer . Conta para o efeito com a ajuda da namorada (Constance Towers), que representará para os médicos da instituição o papel da irmã com quem teria fantasias incestuosas.


A investigação põe-no em contacto com as perturbações mentais dos demais pacientes, entre os quais se contam os três que haviam testemunhado o crime, mas perdidos nos seus delírios pelo stress da guerra, pelo fanatismo ou pelo terror nuclear.
Stuart nascera no sul racista e fora capturado pelo inimigo na guerra da Coreia, sendo tentado pela ideologia comunista, motivo bastante para ser considerado louco.  Trent fora um dos primeiros estudantes negros a frequentar as universidades do sul segregacionista e imagina-se agora membro do Ku Klux Klan. Boden fora um competente cientista nuclear até a consciência das consequências do seu trabalho o fazer regredir até à mentalidade de um miúdo de seis anos.
O filme foi lido como poderosa alegoria sobre os Estados Unidos com uma perspetiva alucinatória sobre a sua história...

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