quinta-feira, maio 30, 2019

(VOL) Resistir para existir


(Num dos seus mais recentes programas de Filosofia, Raphäel Einthoven abordou o tema da resistência às circunstâncias sociais e profissionais, que inibem o direito a sermos felizes. Este texto sintetiza algumas notas dele colhidas e algumas conclusões, que apenas ficavam implícitas mas, muito naturalmente, podem e merecer ser valorizadas).
Resistir equivale a procurar a felicidade em todas as ocasiões, porque essa é uma das condições de existir. Numa célebre canção de France Gall há palavras a interligarem-se: existe, resiste, insiste, persiste. A vida passa por ser vivenciada de acordo com o que dela fazemos.
Camus dizia que a solução passa por não nos sujeitarmos às circunstâncias, alterando-as a nosso favor. Evitando, por exemplo, o burn out, uma das ameaças mais frequentes no meio laboral atual. A aceleração dos ritmos de trabalho numa sociedade caracterizada pela competitividade, não só entre empresas, mas também entre os próprios colegas de trabalho, justifica o aparecimento dessa patologia psiquiátrica, traduzida, em muitos casos, numa deriva autodestrutiva passível de se concluir tragicamente.
Segundo o filósofo Pascal Chabot, que se tem debruçado sobre o tema, o sistema inerente a essas situações decorre de três contradições essenciais: o vidro, que separa o interior do exterior do local de trabalho, o ar condicionado da natureza; a cadeira em que se senta quem trabalha e definidora do seu estatuto e da relação com os outros; e o ecrã por onde flui toda a informação, mas é igualmente o veículo de uma transparência a que cada um se expõe e pela qual é julgado.
Como resistir ao sistema sem o contestar o bastante para ser por ele posto à margem? O assédio moral tornou-se uma das formas de repressão mais comuns exercidas sobre quem procura existir dentro desse sistema e que é exercido para anular a individualidade de quem constitui  mera peça de engrenagem instando-o a nada contestar. Como ocorreu no caso da trabalhadora de uma empresa corticeira de Paços de Ferreira empurrada para uma situação revoltante por não aceitar que a impedissem de cumprir os deveres de mãe de um jovem com deficiência.
Resistir equivale assim a provar que se é, se existe! Há quem assim não pense e Adèle Bauville surge como contraponto com quem é impossível concordar, porque aconselha a que se faça exatamente o contrário: abrir as portas e deixá-las completamente franqueadas para que, por ela, transitem todos os medos e inquietações, aceitando-os e aprendendo a viver com eles. Praticando o ioga por exemplo. Mas é proposta inaceitável reveladora de um conformismo, de um encorajamento da resignação, muito conveniente a quem ganha em manter este estado das coisas, esta sociedade desigual e injusta. As modas relacionadas com os espaços dedicados à meditação e a outras disciplinas orientais merecem tanta promoção publicitária por corresponderem ao interesse de quem beneficia com a relação de forças entre quem trabalha e quem dele aufere as mais-valias. Por lhes inibir o direito natural à indignação, esse sim, um ato de quem se orgulha de ser como é e assim querer continuar...

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