quinta-feira, maio 23, 2019

(VOL) Do justo prémio a Chico Buarque à inspiradora experiência de um astronauta


Das muitas notícias culturais conhecidas nos últimos dias a que me deu maior satisfação foi a da atribuição do Prémio Camões a Chico Buarque. Para além de consagrar um compositor e letrista de exceção, ou um muito estimável romancista, importa sublinhar a estalada dada a Bolsonaro, que teve no autor da «Ópera do Malandro» um tenaz opositor. Presume-se que o idiota promovido pelos setores brasileiros mais retrógrados a inquilino do Palácio do Planalto não acompanhará o seu homólogo das selfies na cerimónia de entrega do prémio.
Esteve, igualmente, em questão a polémica sobre o final da «Guerra dos Tronos»: muitos fãs proclamaram a indignação com um final completamente diferente do imaginado, porque nem Daenerys sobreviveu, nem Jon Snow conheceu melhor destino que o de ser desterrado para o distante norte donde tinham avançado os terríveis mortos-vivos. Está-se mesmo a ver que esses dececionados cultores da série não imaginavam outro epílogo, que não fosse um bonito casamento com o dragão sobrevivente vestido de padrinho incumbido de lhes estender as alianças.
Que chatice essa, a dos argumentistas das estórias concebidas para embalar as massas não estarem dispostos a irem até à lógica efetiva da sua função, desconcertando quem só gostaria de viver num mundo fictício de falsas certezas.
Pegando nas leituras em curso tenho a história de um meteorologista levado para o gulag numa das razias dos anos 30 e, até ao momento de se ver executado anonimamente nos confins siberianos, nunca ter deixado de acreditar no Partido nem nas virtualidades do comunismo. O romance de Olivier Rolin suscita a questão de ter sido Estaline um dos piores culpados para a má-fama de uma ideologia dada por obsoleta por quem tem todo o interesse em lhe passar a certidão de óbito, mas onde continuam a encontrar-se as chaves para a interpretação das lutas sociais do presente e um modelo justo e eficiente para a sua definitiva implementação, quando o capitalismo tiver esgotado as suas capacidades de se ir recauchutando.
Céline, o biltre escapado ao pelotão de fuzilamento no pós-guerra por se ter exilado na Dinamarca, também se fez presente a pretexto de um documentário, que possibilitou o momentâneo regresso a um porto africano ligado a complicada experiência pessoal - ser levado para uma enxovia por um par de horas a pretexto de, enquanto engenheiro-chefe de um navio, ter poluído os céus da cidade, quando a caldeira arrancou.
A Douala conhecida por Céline, quando ali chegou em 1916, era muito diferente de Paris, onde quase sempre vivera até aí. Descobrindo o ambiente colonial em que os brancos se entregavam ao deboche no clube «Pagode», sentiu-se numa espécie de mundo alienígena, onde só poderia assumir pose de misantropo. Olhou com cinismo para a exploração dos negros, quase reduzidos a escravos, nas plantações de cacau como aquela para onde fora contratado. E, racista desde sempre, sarcástico para com a mediocridade dos colonos, Céline descobriu aí a vontade de escrever, dela resultando «Viagem ao fim da noite», publicado em 1932. Se já no primeiro quartel do século era desprezível, os anos não o melhorariam: ele seria o autor de textos execráveis em que, mais do que justificar a injustificável natureza do iminente Holocausto, entusiasticamente incentivou-o junto das autoridades alemãs, com quem colaborou durante a Ocupação do território francês.
Interessante, igualmente, um documentário sobre o dia-a-dia de uma parteira na cidade de Colónia em 1629. Além do ofício em causa ela não se escusava a pequenas cirurgias ou a receitar mezinhas, baseadas em farmacopeia natural, para os males dos vizinhos. O risco era a possibilidade de se ver acusada de bruxaria e não foram poucas as mulheres então enviadas para a fogueira sob tal fundamento.
Num outro documentário em que dois investidores no negócio aeroespacial referiam a importância de se procurarem soluções alternativas para a sobrevivência noutros mundos, que não na Terra, sob o argumento de que, se tivessem naves espaciais, os dinossauros não tinham sido extintos, surgiu o testemunho inspirador do antigo astronauta Dan Berry. Ele é a prova superlativa de sempre serem de menosprezar as palavras dissuasoras de quem queira convencer da inexequibilidade dos nossos sonhos. De facto, em miúdo, a exemplo de todos os colegas da escola, ambicionava ser astronauta. Depois, à medida que os anos passavam, eram cada vez menos os colegas apostados em alcançarem tal sonho. Às tantas, já professor ainda sem contrato, começou a enviar curriculuns para a NASA a fim de concorrer para essa função. Invariavelmente em maio, chegava, ano após ano, a decisão negativa. Assim sucedeu por dezoito vezes, sempre com os superiores hierárquicas a quem solicitava as imprescindíveis cartas de recomendação, a considerarem-no excêntrico, porque nunca lhe adivinhavam sucesso nessas tentativas. Até que, em 1992, a aprovação chegou a tempo de o levar à ambicionada viagem para além da atmosfera terrestre sentindo em pleno a concretização do sonho infantil. A experiência repetir-se-ia por outras duas missões, garantindo-lhe mais de setecentas horas de voo em space shuttles, vinte cinco das quais fora das respetivas naves.

Sem comentários: