Conhecíamos Sérgio Ramirez como um dos principais comandantes sandinistas que, em 1979, acabou com a ditadura de Somoza na Nicarágua. Rompendo, entretanto, com o regime liderado por Daniel Ortega, decidiu enveredar pela carreira literária, assinando inúmeros romances, contos, ensaios e livros de memórias, de que nos chegou agora às mãos este título de há dez anos atrás. Trata-se de uma história policial, tendo como protagonista um improvável detetive perneta (mas com prótese), também ele antigo comandante na guerra de libertação, que se vê contratado para encontrar o paradeiro da desaparecida Marcela. Quem o contrata é Soto, cujo pai fora um dos principais somozistas do seu tempo, mas que se reciclara aparecendo como um dos empresários mais próximos do novo regime.
Quem irá ajudar o inspetor Dolores Morales (também o nome suscita perplexidade) é um conjunto de personagens não menos excêntricos: a sua assistente, Dona Sofia, ao mesmo tempo mãe de um mártir da Revolução e piedosa seguidora de uma igreja evangélica; a amante Fanny, quase em estado terminal com o cancro, que a corrói; um sem abrigo chamado Rambo, que fora seu subordinado há muitos anos; uma reverenda, que faz o bem aos pobres, mas não tem qualquer certificação eclesiástica; um traficante com um urubu como animal de estimação; um barbeiro dado à coscuvilhice; e o chefe de um bando dedicado à cobrança de dívidas complicadas.
A história complica-se, porque Marcela saíra de casa voluntariamente para se livrar do padrasto - o tal empresário - que a violava desde os doze anos e projetava casá-la com um sobrinho meio atrasado mental para a continuar a usufruir impunemente. O aparelho do regime, representado pelo sinistro Tangolete, mobiliza-se para devolver a presa ao seu carrasco, mas Marcela chegará à Florida em segurança, mesmo que à custa dos efeitos da vingança do violador contra os que a haviam ajudado.
Conclui-se facilmente que o romance de Ramirez é bem mais do que um simples romance policial.
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