quarta-feira, janeiro 24, 2018

(DL) Entre «Villa Triste» e «Vidas Minúsculas»

1. Patrick Modiano tinha apenas vinte oito anos, quando publicou «Villa Triste», o seu quarto romance, que rompia com os anteriores quanto à época abordada: em vez do período da Ocupação, os personagens mudavam-se para a fronteira franco-suíça nos inícios dos anos 60, quando a Argélia estava a abrasar-se.
Galardoado anteriormente com dois dos principais prémios literários, Modiano não se ajustava a nenhuma das principais correntes literárias e até era visto com suspeição por muitos críticos, incomodados com personagens sem consciência nem moral. Era como se a presença nazi perdesse o seu estatuto histórico e apenas servisse de pano de fundo para as deambulações quase aleatórias de quem procurava escapar incólume aos seus perigos mais evidentes.
Neste novo contexto o jovem conde Victor Chmara, alter ego do escritor, vive no medo permanente de se ver envolvido num cenário belicista e está alojado num quarto de pensão, ocupando os dias a ler com o seu anacrónico monólogo. Grande parte do romance é dedicada à exploração desse vazio existencial preenchido no convívio com seres, a seu modo igualmente perdidos entre o que são e o quanto desejariam ser. René Meinthe é um médico envolvido em negócios escuros, lembrando o progenitor do próprio Modiano. Yvonne, a jovem atriz de papéis secundários, que namora com Victor, o vê furtar-se ao esperado pedido de casamento e acaba por partir para a América, também lhe evoca a mãe, que nunca conseguiu destacar-se nos palcos ou no cinema dos anos 40 ou 50.
O livro corresponde, assim, a uma espécie de autobiografia enviesada do autor, como se por interpostas personagens ele se questionasse sobre a sua própria identidade.
2. Igualmente da geração de Patrick Modiano, Pierre Michon é autor de «Vidas Minúsculas», espécie de autobiografia oblíqua em que vamos conhecendo, passo a passo, a história do narrador a partir do seu contacto com oito outros personagens de percursos anódinos: há um órfão, que vai para África em busca de fortuna; há o homem, que só ganha alento, depois de expulsar o filho de casa, existem os dois irmãos, que conseguem ser cúmplices no ódio, que dedicam entre si; há o padre capaz de quase chegar à iluminação através da sua degenerescência.
Mais do que as histórias em si, o romance vale pela exploração dos recursos da linguagem, regenerando muitas palavras supostamente perdidas. 

Sem comentários: