terça-feira, janeiro 16, 2018

(DIM) «As Bandeiras dos Nossos Pais» de Clint Eastwood (2006)

O meu problema com Clint Eastwood é o de sabê-lo odiosamente reacionário, mas ter uma incontestada competência para realizar filmes. Nalguns casos, como o de «Invictus», até o poderíamos imaginar eivado de um pensamento ideológico progressista, mas noutros (vide «Milagre no Rio Hudson») temo-lo a dar mais acrescentos à mitologia americana de uma História baseada em heróis determinados, quando bem sabemos quanto ela mais não é do que a resultante de uma dialética evolutiva no confronto de forças opostas.
Em «Flags of Our Fathers» ele revisita essa enorme mentira que foi a fotografia de Joe Rosenthal em que milhões de crédulos acreditaram ver o instante da conquista da ilha de Iwo Jima durante a 2ª Guerra Mundial, sabendo-se hoje o quanto se tratou de uma representação para fins propagandísticos. De facto essa batalha decisiva ocorrida em 19 de fevereiro de 1945 teve um desenlace demasiado rápido para que os fotógrafos, que acompanhavam os militares, a pudessem documentar tal qual ocorreu. Rosenthal teve, pois, toda a disponibilidade do comando da 5ª divisão para conceber uma representação esteticamente apelativa destinada a impressionar quem, na retaguarda, financiava o esforço de guerra.
De tal modo assim foi que três dos fuzileiros da fotografia foram aclamados como heróis e incumbidos de protagonizarem uma tournée  de norte a sul dos States para incentivarem a compra de bilhetes do Tesouro destinados ao financiamento do crescente complexo militar-industrial, cuja contínua evolução resultou na situação atual: se não existem guerras, espicaçam-se quem as podem despoletar para que se mantenham empregos e, sobretudo, se garantam obscenos lucros a consórcios empresariais.
O interesse do filme de Eastwood reside na contradição entre a condição de heróis, que Ira Hayes, John Doc Bradley e Rene Gagnon têm dificuldade em assumir, tanto mais que os assombram a memória dos camaradas  que viram morrer. Se o filme pode perturbar os mais acirrados defensores de uma falsa imagem, que a América gosta de criar a seu respeito, é a des-identificação dos «heróis» com a noção dos limites da normalidade enquanto homens de carne e osso. E sobretudo dotados de uma consciência de que não se dissociam os sentimentos de culpa ( a questão de se questionaram porque sobreviveram e outros não!).
Como seria de esperar em Eastwood as cenas de desembarque e de batalhas são irrepreensíveis, mas fica sobretudo o questionamento sobre o que é ser patriota numa América, que se vale dessa mitologia para justificar o seu permanente objetivo imperialista.

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