quinta-feira, janeiro 25, 2018

(DL) As estórias que complementam «A Feira dos Assombrados»

Nos contos, que complementam o volume «A Feira dos Assombrados» continuamos nos finais do século XIX, quando Angola vivia uma colonização relativamente tranquila, seja porque as potências europeias ainda não olhavam para ela com a avidez depois demonstrada nas vésperas da Primeira Guerra Mundial, seja porque ainda não surgira uma vontade de unificação das várias etnias em torno de um projeto nacional. Daí que as estórias criadas por Agualusa a partir de diversas notícias de jornal tenham o lado exótico, senão mesmo mágico, que o continente ainda sugeria ou não fosse esse o mundo então imaginado por Edgar Rice Burroughs. A exceção está num conto intitulado «A Inacreditável mas Verdadeira Estória de D. Nicolau Água-Rosada» em que esses sinais vindouros se começam a manifestar: embora até então tenha vivido alheio a quaisquer aspirações de emancipação do seu povo, um jovem mulato com raízes na família do rei do Congo, é aliciado por um brasileiro e por diplomatas ingleses a servir de cabeça de cartaz para uma declaração de independência relativamente ao colonialismo luso. Não imaginava ele a armadilha em que estava a comprometer-se acabando morto e com a cabeça decepada exposta para desmotivação de quem lhe pretendesse imitar os intentos.
Há influência do realismo mágico latino-americano em «A Queda de Santa Maria», a estória de um escrivão, que cai por profundo buraco e de lá resgatado cinquenta dias depois a todos assusta com a sua pele verde coberta de fungos e cogumelos. O pior é, porém, o cheiro nauseabundo que nunca mais o larga, fazendo fugir todos - homens e bichos - de quantos se tenta aproximar. Definitivamente ostracizado da sociedade dos homens acabará por voltar para o buraco donde sente que nunca deveria ter saído.
Em «Há Outras Forças» um cosmopolita diretamente saído de uma das prosas de Eça de Queiróz - misto de João da Ega e de Fradique Mendes - chega a Luanda para conhecer as empresas do tio, que o tem por único herdeiro. Mas tudo na cidade angolana o indispõe tão distante está do refinamento a que se habituara. Amofinando o rico parente, e querendo não perder a herança, aceita uma missão comercial a quatro léguas de distância adoecendo gravemente, e acabando por morrer, quando, em desespero de causa, já se aprestava a consultar um quimbanda. Ninguém acredita no médico, que lhe procedera à autópsia do corpo, quando revela ter-lhe encontrado lâminas no coração.
A magia volta a estar presente em «O Demiurgo», conto em que um exorcista consegue acabar com o encantamento que leva o cónego Nascimento a uma sucessão de ataques de nervos: na parede da sua igreja surgem incessantemente as imagens de mulheres desnudas, que desqualificam a santidade do local. Segundo o frade Nicolau ali se consumara o crime de diversas meretrizes, quando o edifício servia de quartel em meados do século XVIII só decorrendo do seu talento o efetivo sossego das almas endemoinhadas.
Em «A Boca da Terra» conta-se o encontro definitivo de um explorador italiano com o Umbigo do Mundo, onde penetra para nunca mais ser visto. Local estranho para onde os próprios pássaros do céu são sorvidos, constitui exemplo do tipo de sítios misteriosos, que no virar do século XIX para o vigésimo tanto excitavam a imaginação dos frequentadores das Sociedades de Geografia.
A terminar o livro há o ataque assassino de tenazes formigas vermelhas, que conseguem iludir a vã tentativa do velho Caxombo para lhes escapar.

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