sexta-feira, janeiro 26, 2018

As Partes do Todo (XIII) - 26 de janeiro de 2018: a propósito das selfies

1. Porque estamos fadados a ter por Presidente um selfieman é oportuna a leitura do ensaio, que a filósofa e psicanalista Elsa Godart publicou há menos de dois anos na Albin Michel e que se intitula «Je selfie, donc je suis», complementado por um subtítulo ainda mais sugestivo: metamorfoses do eu na era do virtual.
Vivemos de facto num tempo em que vemos tanta gente a fotografar-se à nossa volta. Com o auxílio de um extensor captam-se à beira de uma falésia, em frente à Gioconda, nas cataratas do Niágara ou ao lado do ator preferido. Depois vão para as redes sociais e expõem-se: eu, e eu, e eu, e …
Representará a crise de um narcisismo em estado agudo? O sintoma de um egoísmo sobredimensionado? Uma utilização nevrótica da sua imagem?
Elsa Godart demonstra que esta moda mais não é do que o indicio de uma modificação radical da nossa perceção do tempo e do espaço, sobretudo relacionada com o pensamento e a linguagem em proveito de uma afirmação quase dogmática do poder do virtual e da imagem.
Por trás das transformações de uma sociedade perturbada pela informática que nos priva da sua consciência, perfila-se uma crise de identidade que nos devolve á crise da adolescência, pois a selfie mais não é do que o regresso à fase do espelho. Àquela em que nos púnhamos frente a ele e nos questionávamos sobre quem éramos.
O que resultará deste fase do selfie, que exprime sobretudo dúvidas existenciais de um sujeito de mal consigo mesmo? No fundo que lugar pretendemos atribuir ao que é humano por trás dos ecrãs dos smartphones?
Vamos avançar no livro para que ele nos sugira as interrogações, mais do que as respostas que, essas, cabem exclusivamente a nós…
2. Relacionado com essa sempiterna busca de quem somos fica uma frase de Santo Agostinho, que dizia algo assim: o que eu sou, não o sei. O que já sei, já não o sou.
Será impossível compreendermos o que realmente somos?
3. Um ciclista avança numa estrada enquanto se vai filmando com a ajuda de um extensor. Subitamente cai, sangra abundantemente, mas nunca deixa de se filmar.
Moral da história: quem passa o tempo a olhar-se a si mesmo não correrá o risco de se aleijar?
4. O que existe de paralelo entre a obsessão com as selfies e o pianista, que no meio da atuação se põe a pensar na forma como os espectadores o estão a ver e desafina? Ou o orador de uma conferência, que se evade do tema da mesma para atentar no efeito que está a ter em quem o ouve e se vê subitamente com um vazio a interromper-lhe o discurso?
Essa excessiva atenção a nós mesmos não equivalerá ao acidente do tal ciclista?

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