quarta-feira, janeiro 17, 2018

As Partes do Todo (VIII): 17 de janeiro de 2018 - Rimbaud, Veneza, Marco Polo

1. De Rimbaud sabemos que foi poeta, antes de se converter num viajante, num comerciante, num etnólogo pelas vastidões inóspitas do Corno de África. Terá pretendido fugir à Literatura, mas a razão maior era a de afastar-se de Verlaine, que fora seu inflamado amor.
A intenção foi tão arreigada que, apesar de multiplicar cartas à família prometendo voltar para breve, nunca o chegou a fazer, morrendo precocemente e privando-nos do muito que poderá por ali ter escrito nos intervalos da sua atividade comercial de comprar umas mercadorias aqui para as vender acolá. Sempre com sucesso muito irregular. A influência que deixou foi duradoura: alguns dos slogans do Maio de 68 foram nele inspirados e Patti Smith considerou-o o seu virtual boy friend.
Mas se aqui o trago à colação é por um texto seu, escrito há quase século e meio, ter ganho crescente atualidade: “Quando se quebrar a servidão da mulher, quando ele viver por ela e para ela, o homem, atá agora abominável - dando-lhe o devido troco -, também ela será poetisa. A mulher encontrará o desconhecido! Os seus mundos de ideias definirão os nossos? - Ela encontrará coisas estranhas, insuspeitáveis, repulsivas, deliciosas. Nós agarrá-las-emos, compreenderemos!”
2. Num conhecido programa sobre Filosofia no canal Arte formulam-se duas perguntas apropriadas a muito do que se vai passando nos nossos dias: será que o Homem foi expulso do Paraíso por ter inventado o motor (ou a roda)? Será que quando se come carne dever-se-ia matar um animal pelo menos uma vez para saber donde ela vem?
3. Quando visitei a Basílica de São Marcos pela primeira vez a arquitetura interior - com os seus mosaicos amarelo-dourados - decerto constatei a óbvia influência oriental. Que não era assim tão verdadeira, porque a utilização da folha de ouro na cerâmica já existia em Pompeia, muito antes de se consagrar imagem de marca da capital bizantina. Os segredos do vidro e dos mosaicos haviam nascido na Península Itálica, migrado para as margens do Mar Negro, e de lá voltaram sob a forma de esbulho por conta de vitórias militares.
O que me passou despercebido foi uma placa de mármore onde se misturam os símbolos das várias religiões pressupondo um ecuménico propósito de diálogo entre as civilizações. Bonitas intenções, que não impediram a pilhagem de Constantinopla durante a 4ª Cruzada para de lá serem trazidos os cavalos, que dominam toda a Praça. Como de costume, quando de religiões se trata, a empatia com crenças diversas esboroa-se quando há hipóteses de as esmagar.
4. Fazendo a ligação com Rimbaud, mas não fugindo a amores tidos então como repreensíveis, foi da Sereníssima que, em 1271, Marco Polo partiu ao encontro da Rota da Seda. E, ao contrário do autor do «Bateau Ivre», não só comerciou com sucesso, como de tais aventuras conseguiu o encontro com a Literatura, que aquele pretendera dissociada de si.

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