terça-feira, janeiro 02, 2018

(AV) Giacometti: o espaço a tomar conta do tempo

Alberto Giacometti não é apenas um dos maiores artistas do século XX: consegue ser, igualmente, uma das suas personalidades mais originais. Daí o interesse da mais recente biografia assinada por Catherine Grenier e publicada na Flammarion.
Diretora da Fundação Giacometti, a autora, empreendeu uma aturada pesquisa, que lhe permitiu compreender alguns dos aspetos inerentes à intimidade de um artista conhecido pela forma obcecada como reagia ao que criava, forçando-se a padrões de exigência que não admitiam a menor autocomplacência.
Em jovem frequentou o atelier do pai, um pintor pós-impressionista, muito influenciado pelos fauves, e que ganhara prestígio e clientes, quer na Suíça, quer na vizinha Alemanha.
Aos 20 anos, estimulado pelo progenitor, Alberto deixou as montanhas do seu cantão italiano para entrar como discípulo no atelier parisiense do escultor Antoine Bourdelle. Por pouco tempo, de tal modo se sentiu alheio ao academismo aí cultivado, preferindo-lhe a estética cubista - mesmo se já em vias de ser abandonada por quantos a haviam lançado - e, depois, pelo surrealismo. Embora vinte anos mais velho, Picasso seria um dos seus amigos próximos, abrindo-lhe as portas do atelier sempre que o quisesse visitar. E, ao contrário de muitos outros artistas da mesma época, Giacometti viu reconhecido o talento quase de imediato, mormente por André Breton, que o cooptou para o movimento de vanguarda, que estava a lançar com o seu Manifesto (1924).
É curiosa a contradição com que, apesar da timidez, o jovem escultor conseguiu conhecer e  tornar-se amigo de alguns dos maiores escritores e artistas do seu tempo e, por  outro lado, a vontade de se isolar, de não se dar ao convívio com ninguém que o pudesse distrair dos seus projetos. O atelier de Montparnasse ganhou fama de local mítico de acesso muito reservado. Dele nunca se afastava, à exceção das viagens regulares a casa para visitar a influente mãe. Foi por essa altura, que escreveu: “A arte do passado, de todas as épocas e civilizações, surgiu-me como um todo como se o espaço tomasse conta do tempo”. Intuíra que, passada a fase das vanguardas, seria necessário um movimento de síntese, fundamento do novel interesse pelas artes primitivas, a cujas formas buscou dar leitura contemporânea. Profundamente interessado na representação humana, afastou-se da tentação naturalista para apostar na criação algo alucinada da sua figura, por isso mesmo dotada de misterioso poder.
A biografia de Catherine Grenier aborda tudo isso e, ainda a ler-lhe as primeiras páginas, sinto-as como se se tratasse de um convencional romance. 

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