terça-feira, janeiro 09, 2018

As Partes do Todo (I) - 9 de janeiro de 2018: ser realista pedindo o impossível

1. Não conhecia Gabriel Gomes, Henrique Bispo ou Inês Veloso, mas não excluo que futuramente o respetivo percurso artístico se volte a cruzar comigo como espectador. Porque embora se sinta em qualquer deles a relativa imaturidade de quem está a dar os primeiros passos a sério nos palcos já se lhes deteta o talento e a determinação, que garantiram da sua interpretação de «Esperar Até Abril é Morrer», baseado na peça de Spiro Scimone, a indução de uma tensão crescente em quem compareceu à récita de sábado passado no Auditório da Gandaia na Costa da Caparica.
Em causa estava uma família manifestamente disfuncional onde pai, mãe e filho cruzavam recriminações e azedumes, sem que neles se notasse o ascendente de quem pudesse impor, se não alguma afetividade, pelo menos o arremedo de estruturação. Por isso, e com a crise económica e de valores como fundo, qualquer deles estava impedido de sair do círculo onde se manifestava a profunda, a irremediável infelicidade…
2. Quase todas as manhãs desperto ao som da Antena Dois ajustada para soar aos meus adormecidos ouvidos pouco antes das oito. As propostas musicais vão sendo heterogéneas dentro da ampla diversidade ´da música erudita. Num destes dias, porém, o despertar ocorreu ao som do Concerto para Violino e Orquestra de Tchaikovsky, uma peça maravilhosa, que remete inevitavelmente para a utilização dela feita pelo cineasta Philip Kaufman em «Os Eleitos» naquela cena em câmara lenta em que os indigitados astronautas do programa Apollo preparavam-se para ser apresentados à comunicação social devidamente equipados para a missão de que seriam portadores.
Esta proposta musical sugere desde então essa sensação de se partir à conquista de algo tido quase como impossível, mas transformado em algo de concretizável graças ao talento e à determinação de quem a tal se vincula.  Daí que da vez em que a vi executada pela Orquestra da Gulbenkian tenha sentido algo de exaltante a crescer dentro de mim, dando-me a crer na tangibilidade dos mais improváveis sonhos. Nomeadamente os que se prendem com a tal Utopia, denegrida por muitos como tendencialmente capaz de gerar ditaduras criminosas, e classificada por outros como definitivamente datada e, como tal, irrecuperável.
A música de Tchaikovsky, sobretudo nos seus momentos mais vibrantes, reatualiza a célebre máxima da Revolução parisiense de Maio de 1968, de que se comemorarão em breve cinquenta anos: queremos ser realistas, pedimos o impossível!

 



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