domingo, janeiro 14, 2018

As partes do todo (VI) - 14 de janeiro de 2017: o fenómeno do turismo de massas

Debates sobre o excesso de turistas no centro de Lisboa. Divergências, até no partido do governo, relativamente aos direitos e deveres do alojamento local através de plataformas tipo Airbnb. A constatação de uma óbvia ligação causa-efeito no aumento dos roubos na cidade. Ainda não se chega ao repúdio pelos visitantes que já se sente em Barcelona ou em Veneza, mas não se anda longe. Porque, ao mesmo tempo, sobram testemunhos do desagrado de muitos alfacinhas subitamente expulsos dos bairros onde nasceram, e sempre viveram, para darem lugar a negócios, que beneficiam maioritariamente os interesses privados e muito pouco os munícipes.
Num documentário de Antje Christ sobre o fenómeno - «Turista, Vai-te Embora!» - pode-se constatar a ambígua complacência dos autarcas em relação ao fenómeno: os presidentes das câmaras de Veneza ou de Dubrovnik pouco se interessam pelos efeitos negativos desta involução conquanto os lucros continuem a ser enormes para os consórcios, que visivelmente representam. Ao primeiro pouco importa que os enormes paquetes movimentem enormes massas de água da laguna, quando atravessam o Canal de la Giudecca, exercendo sobreesforços tremendos sobre os pilaretes de madeira em que assentam os edifícios da cidade. Mesmo que a cidade em si pouco beneficie com os trinta milhões de invasores, que a percorrem anualmente, ele está sobretudo interessado nos lucros do consórcio privado, que gere o porto veneziano decidindo os lugares de atracação de cada um dos sucessivos navios, que ali vêm estacionar durante algumas horas. E também o julgamos muito «sensível» aos interesses das famílias que gerem, em regime de exclusividade a atividade de gondoleiro, não permitindo que hajam mais do que os atuais 360. Acaso algum se queira reformar e trespassar a sua licença, o eventual interessado pode preparar pelo menos meio milhão de euros para garantir o negócio, isento de qualquer carga fiscal. 
Por seu lado o autarca croata não tem pejo em se considerar o «gestor» de uma empresa, que diz representar quinze mil acionistas, mas que, bem vistas as coisas, só interessa a uma ínfima minoria. Porque há quem tema um sinistro, que transforme a cidade numa autêntica armadilha, quando comporta dentro das suas muralhas, dezenas de milhares de turistas e as suas três portas só permitem o escoamento gradual, e em segurança, de pouco mais de três mil. É certo que alguns «millennials» andam aparentemente felizes e contentes com os seus projetos de empreendedorismo individual, mas desconfiamos que eles pouco lhes rendem e os mantém numa precariedade de que não se conseguirão livrar. A menos que sigam o exemplo dos mais habilitados academicamente, que mudam para outras paragens, deixando para trás apenas os que não têm competências para ambicionarem empregos mais exigentes do que de meros tarefeiros no enorme parque temático a céu aberto.
Hoje aumenta a consciência de não estarem a ser respeitados os direitos dos habitantes das cidades, que vêm sendo reconhecidas como estando na moda dos grandes fluxos turísticos. O espírito do lugar, tal qual Lawrence Durrell o definia, perde-se  e tudo se tende a igualar um pouco por todo o lado: as mesmas lojas das grandes insígnias, os mesmos restaurantes de fast food, os mesmos hotéis. Pouco a pouco cada cidade vai perdendo a sua alma e colando-se ao conceito urbano imposto pelos grandes negócios turísticos. Que são explorados e beneficiam os grandes grupos económicos para quem os próprios turistas são mansas ovelhas prontas a tosquiar. 

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