domingo, abril 21, 2019

(VOL) Entre frustrações e problemas de identidade


1. Semanas atrás um dos programas mais interessantes do canal Arte («Metrópolis») voltou a Odessa cinco anos depois de ali ter estado em 2013, e procurou os que, então, expressavam repúdio pelo governo pró-russo. Tendo entretanto decorrido o movimento da Praça Maidan em Kiev, a fuga do anterior presidente para os braços de Putin, a guerra do Donbass e a perda da península da Crimeia, os estados de alma dos entrevistados mudaram substantivamente. Não é que mostrem nostalgia pelo corrupto regime anterior, mas é como se, com outras caras, tudo tivesse ficado na mesma. E a eleição presidencial deste fim-de-semana nada resolverá, porque substitui um oligarca oportunista por um palhaço ao serviço de outro exemplar da mesma espécie.
Após tantas esperanças frustradas até os mais militantes de há meia dúzia de anos dão sinais de cansaço, de desistência.
2. Impasse é também o estado de alma transmitido pela escritora canadiana Sheila Heti no seu mais recente romance, «Motherwwod». Tendo por tema as dúvidas das mulheres de trinta ou quarenta anos em avançarem ou não para a maternidade, enquanto ainda o possam fazer, a autora enuncia os prós e os contras, ao mesmo tempo que olha para os bebés à sua volta e tenta neles encontrar respostas para tais dúvidas.
O curioso reside no facto de quem enche as salas das bibliotecas, livrarias ou salas de espetáculos, onde vai apresentar o livro com a leitura de muitos dos seus extratos: mulheres desse escalão etário, provavelmente todas a identificarem-se com a questão de priorizarem o percurso profissional ou a determinante opção de serem mães.
3. «Synonimes» foi filme galardoado no Festival de Berlim e aborda, igualmente, a questão levantada pela célebre canção dos Clash «Should I Stay or Should I go?».
Acabado de sair do exército o protagonista do filme, alter ego do realizador israelita Navid Lapid, decide partir para Paris. Tudo em Telavive o sufoca: um governo cada vez mais à direita, uma cultura belicista com que não se identifica, a sensação de isolamento dos que anseiam por uma sociedade diferente.
Libertar-se dessa condição de israelita, tornando-se francês, passa a ser o seu objetivo. Mas, às custas próprias, o protagonista irá perceber ser fácil a troca de personalidade. E o próprio realizador serve de testemunho: depois de ter-se mudado para Paris, Navid Lapid decidiu voltar para Telavive. O que faz algum sentido: é lá que pode ajudar a mudar o que for possível!
4. Já que falamos de judeus vale a pena recordar que, no início do século XX, quando conseguiu encher as entrecobertas dos navios da Hapag-Lloyd com emigrantes fugidos dos progroms na Polónia ou na Rússia, o diretor-geral Ballin cuidou de os colocar de quarentena naquilo que designou por salões e mais não eram do que guetos onde aguardavam pelos navios destinados a Nova Iorque. Hitler ainda era desconhecido adolescente mas as populações da Prússia manifestavam exacerbado ódio por esses perseguidos, de quem temiam as contaminações das doenças de que os imaginavam portadores.
Entre 1840 e 1939 a Europa livrou-se de 55 milhões de gente paupérrima apostada em encontrar melhor qualidade de vida no muito publicitado Novo Mundo. Podemos apenas conjeturar o que teria sucedido sem essa válvula de segurança num continente que, na segunda metade do século XIX, conhecera turbulentas revoluções. Tivesse o descontentamento geral ficado exponenciado por número bem maior de revoltados e talvez a História do século XX europeu se houvesse revelado bem diferente.
5. É sempre curioso olhar para as fotografias desses emigrantes a embarcarem para a América ou as das várias coleções imagens da mesma época, onde vemos comerciantes, empregados e clientes, a posarem em frente às suas lojas. Não lhes conhecemos os nomes, mas os rostos expressam os diversos estados de alma, que os animavam: a determinação, o orgulho, a tristeza, a humildade. E em quase todos a pobreza num país de conformados analfabetos.

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