quarta-feira, abril 17, 2019

(DIM) «Horas de Desespero» de William Wyler (1955)


Vi uns quantos filmes do William Wyler e de nenhum particularmente gostei. Nem desgostei, já agora! Ele está para o Cinema como Brahms para a música - ambos exerciam o ofício com competência, mas sem ponta de genialidade. No caso do compositor até há peças, que se podem ouvir com prazer, mas nada acrescentam ao que Beethoven ou Haydn haviam criado. Por isso à pergunta clássica levantada pelo título do livro de François Sagan a resposta é inequivocamente não!
O engenho de Wyler não se revelou particularmente superior ao de muitos honestos tarimbeiros, que os estúdios contratavam nessa época em que lhe confiavam projetos comercialmente mais ambiciosos. Porque o favoreciam a ele e não a uns quantos infelizes, impossibilitados de ascenderem do corriqueiro patamar dos filmes de série B é mistério, que nunca esclareceremos.
Reconheça-se-lhe, porém, que não foi por tomar a posição mais fácil - e de indigna cobardia! - quando a Comissão de Atividades Antiamericanas começou a proibir e a desgraçar a vida a muitos cineastas, atores e outros técnicos dos estúdios, que eram denunciados como simpatizantes ou militantes comunistas por biltres da estirpe de Ronald Reagan, Gary Cooper ou Elia Kazan, que nunca nos deveremos poupar de relembrar. Aliás quase todos os principais nomes envolvidos neste filme foram tidos como suspeitos pelos caçadores de bruxas em Hollywood - desde o próprio Wyler a Bogart, de Fredric March a Martha Scott - o que justifica alguma complacência com que olhamos para ele.
À partida há três fugitivos de uma prisão, que tomam como refém uma família comum. O acontecimento real ocorrera em 1952 e, no ano seguinte, já Joseph Hayes publicava um romance sobre o tema, que ganharia adaptação nos palcos da Broadway em 1954. Paul Newman era, então, Glenn, o protagonista, mas não sendo ainda reconhecido como investimento seguro no respeitante ao potencial volume de espetadores, a versão cinematográfica contaria com esse papel atribuído a Bogart. Já desgastado pela doença, que o levaria dois anos depois, esta constituiu a antepenúltima oportunidade para o ver nos ecrãs e a derradeira no desempenho de odioso vilão.
O papel desempenhado por Fredric March - o do patriarca da família Hilliard! - deveria ter sido assumido por Spencer Tracy mas este, apesar de amigo de Bogart, não abdicou de querer encimar o genérico no desfile dos atores e afastou-se quando viu perdida a inglória batalha.
O filme é, pois, um quase huis clos, porque poucas cenas decorrem fora da casa dos que são tomados como reféns. Ali se agitam duas trincheiras opostas e estereotipadas: do lado dos delinquentes há o bom (o irmão mais novo de Glenn), o mau (o cúmplice, meio retardado mental, meio psicopata) e o vilão (um Bogart, que não nos convence como sendo mais ruim que as cobras).
Na família há o que se tornou uma convenção na respetiva representação cinematográfica durante esses anos 50 - há o bom chefe de família, a devotada dona-de-casa, a jovem filha ansiosa por ver reconhecido o clandestino namoro e o irreverente miúdo. A bem ver para estar de acordo com os cânones só lhe falta o cão.
No lado policial assiste-se a chavões similares: há o xerife prudente, há o que só pensa como poderá vir a ser reeleito e um agente federal, que se coloca à parte, mas age decisivamente no momento culminante.
Com tais personagens estavam concertadas as condições para criar uma tensão crescente, com momentos muito intensos, ciclicamente distribuídos nas duas horas de duração do filme, mas eles mesmos a criarem a expetativa para o desenlace culminante em que sucede aquilo que os estúdios nunca deixariam de exigir como final feliz: os foragidos na morgue, a família feliz devolvida à pacatez dos dias e a ordem coletiva assegurada.
Na América de então não era possível fazer muito diferente quando se estava sob a alçada dos estúdios. Quem o tentava - como aconteceu, por exemplo, com Nicholas Ray! - estava condenado a ver-se sem trabalho, porque a margem de liberdade criativa proporcionada pelos patrões da indústria era demasiado exígua.

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