quinta-feira, abril 18, 2019

(DL) «Marie Claire» de Marguerite Audoux



Surpreendente a descoberta de Marguerite Audoux, costureira de Montparnasse, quase cega, que se viu galardoada com o Prémio Fémina de 1910 graças a este romance não assumidamente autobiográfico, mas sendo-o em grande parte. É, igualmente, um daqueles relatos sobre a passagem da infância para a idade adulta, ao mesmo tempo que testemunha a realidade social da França nos finais do século XIX.
Dividido em três partes, vemos a primeiro dedicar-se à infância da protagonista ao ser internada num orfanato depois da morte da mãe, quando tinha três anos de idade. Marguerite viveu esse mesmo drama, vendo-se abandonada pelo pai a quem o desgosto conduziu ao alcoolismo e à fuga cobarde sabe-se lá para onde. Na instituição, que a recolheu, ela tanto sofre a severidade da Madre Superiora, que lhe sugere aparência monstruosa, como a empatia da terna irmã Marie-Aimée, sua protetora oportuna perante os frequentes dissabores.
O tom do romance fica estabelecido desde esse início: Marie Claire, alter ego da autora, sempre manifestará compaixão pelos que sente mais desvalidos do que ela própria.
Recolhida na adolescência por uma família camponesa, é incumbida de pastorear os animais dos patrões. Essa é a segunda parte do romance, aquela em que não só usufrui da liberdade de passar o dia ao ar livre, mas também a da descoberta da literatura, porque no sótão da quinta onde pernoita, entusiasma-se com a leitura das Aventuras de Telémaco.
A terceira parte corresponde à ida para Paris onde lhe caberá proletarizar-se numa das profissões acessíveis às mulheres pobres do seu tempo.
Ao ser premiada, Marguerite Audoux parecia vocacionada para uma bem sucedida carreira literária, porque elogiaram-lhe o sentido poético da sua prosa despretensiosa. Não foi por não o tentar, que se viu frustrada no intento. Apesar de, até 1937, ter publicado outros romances e novelas, quando, nesse ano morreu, há muito estava esquecida.

Sem comentários: