segunda-feira, abril 22, 2019

(DIM) Revisitar Colette


Esta noite o canal franco-alemão ARTE convida-nos a revisitar o universo da Belle Époque, dele fazendo emergir a irreverência de Sidonie-Gabrielle Colette, que ficaria recordada pelo seu apelido.
Nasceu numa família de livres pensadores, que lhe proporcionaram uma infância feliz e incitadora de atitudes anticonformistas, traduzidas no seu precoce ateísmo. Tudo mudou, porém, em 1891, quando a falência da família a obrigou a deixar para trás a propriedade paradisíaca em que se julgava perenemente instalada. Estava com dezoito anos e o desejo de independência acompanhá-la-ia para o resto da vida, decidindo-a a não depender de ninguém, nem mesmo dos sucessivos maridos e amantes (dos dois sexos), de cujos encantos foi usufruindo até morrer já octogenária.
Willy, o primeiro com quem se casou aos vinte anos, exigiu-lhe fidelidade pelo menos com parceiros masculinos, mas nem tal restrição ela estava disposta a satisfazer. Porém, se esse primeiro casamento claudicou foi por razão diversa: começando desde muito cedo a escrever sucessivos romances, tendo Claudine por protagonista, é ele quem os assina e se vê celebrado como escritor de talento. Quando o deixa num apeadeiro vira-se para o music-hall, por considera-lo o melhor trabalho para quem nada sabe fazer. O sucesso é imediato tanto mais que ela recorre a uma liberdade no uso das palavras a contracorrente com os usos e costumes do seu tempo. Mas tida como personalidade sulfurosa, ela traduz literariamente o feito de com a verdade mentir aos interlocutores, adotando a primeira pessoa do singular como estratégia ficcional.
Ousada na forma como impôs o seu permanente desejo de liberdade, a escritora com olhos de gata foi a primeira a merecer exéquias nacionais, ostensivamente boicotadas pela Igreja. Mas decerto que, sabendo-o, ela só agradeceria a quem sempre lhe condenara a festiva lascívia.
Para ilustrar esse universo criativo, o canal franco-alemão emite «Chéri», o filme realizado por Stephen Frears em 2009, tendo Michelle Pfeiffer como protagonista. Trata-se da história da iniciação amorosa de um jovem por experiente cortesã, ele descobrindo os mistérios dos afetos, ela deles se despedindo. O rapaz é irritante de tão insolente, ela resplandecente no seu declínio.
Desses fogosos encantos e decorrentes desencantos, Frears criou um filme muito elegante, que testemunha o quão fascinante foi a Belle Époque para quem dela só pôde colher o melhor.

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