segunda-feira, abril 22, 2019

(DL) O tédio que as peças de Ibsen suscitam


Porque é que Nora Helmer já só pode entediar as audiências, depois de tê-las entusiasmado durante quase século e meio com o seu perfil progressista para a época? Esta a questão colocada por Terry Teachout na mais recente edição da revista «Commentary», em que dá Ibsen como dramaturgo acometido de irremediável obsolescência.
O problema com Nora, a dona-de-casa exemplar que, em plena época natalícia, decide deixar o marido e os três filhos para ir em busca de si mesma, é já não ser esdrúxula nos dias de hoje. As mulheres adquiriram um estatuto social muito diferente do da época em que Ibsen inaugurou uma forma de teatro realista, capaz de entusiasmar os maiores intelectuais do seu tempo desde Freud a Bernard Shaw, passando por James Joyce.
Decidida a ser bem mais do que a conjugue infantilizada e a cuidadora dos filhos, Nora Helmer saía do casulo familiar e ousava desbravar um futuro em que valesse por si mesma, e não pelo apelido do marido. Tanto mais que, nesses dias de festa, ele revelara-se injusto, acusando-a de falta de carácter, quando ela apenas procurara salvaguardar os interesses da família, quando o vira gravemente doente.
Olhando para a biografia de Ibsen - que teve existência tão aburguesada quanto os seus criticados personagens! - Teachout não lhe vislumbra nem consciência feminista, nem tão pouco uma ideologia consonante com a imagem criada pelos seus entusiásticos admiradores. Ao invés de acreditar na capacidade coletiva de transformar as sociedades, Ibsen é bem explicito em «Inimigo do Povo» na conceção de uma sociedade elitista com uma minoria iluminada a conduzir eficientemente o grande rebanho de ignorantes.
Esses são os argumentos explicativos de se suportarem as suas peças com crescente enfado: Nora Helmer já não surpreende pela coragem que, se revela bem tíbia, comparativamente com as mulheres do nosso tempo. Na prática ela surge-nos como personagem datada, incapaz de nos trazer o que quer que seja de novo. E nem mesmo a recente tentativa de Lucas Hanth em dar-lhe uma atualização a pretexto do seu regresso a casa quinze anos depois - «A Casa das Bonecas, parte 2» - pouco adianta, a começar pelo facto de nunca sequer se colocar a questão de ter havido ou não justeza na atitude de rutura de Nora.
Surge-me crível a tese de não se justificar a manutenção das peças do dramaturgo norueguês no cânone ocidental do reportório clássico para palco. É que vai-se concluindo, paulatinamente, que elas não conseguem superar o determinante escrutínio da passagem dos anos e, com eles, o da transformação irreversível dos valores morais, sociais e culturais.

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