quarta-feira, abril 03, 2019

(DL) A literatura dos States e os sintomas das suas doenças sociais


Em texto recente João Mário Silva - um dos autores que mais aprecio ler de entre os que vão escrevendo sobre os novos livros editados entre nós! - chamava a atenção para  a obra de estreia do norte-americano George Saunders, «Guerracivilândia em mau declínio», agora lançado pela Antígona.
Vinte e três anos depois Saunders é um autor já conceituado no meio literário norte-americano, mas quando arriscou o agora em questão, trabalhava como engenheiro químico numa empresa em Rochester e dedicava-se, sobretudo, a escrever clandestinamente os contos e a novela, que começaria por publicar na New Yorker ou na Harper’s.
Olhando muito criticamente para a sociedade norte-americana, que se tornara cada vez mais distópica na sobreposição do setor terciário sobre o industrial e, mesmo, o agrícola, Saunders recorre, amiúde ao humor para descrever os dissabores desses trabalhadores precários de parques de diversões apostados em criarem um simulacro artificial de uma realidade falsamente mítica. Os patrões são medíocres, que se dão ares de importância por se julgarem detentores de um poder espúrio e os mais desgraçados, quase sempre coartados por sentimentos de culpa derivados de más escolhas, revelam-se capazes de gestos de um comovente altruísmo.
Nos contos e novelas de Saunders não há espaço para o sonho americano. Crítico do capitalismo e da novilíngua com que o sistema se procurou perenizar, enganando os incautos por mais algum tempo, o escritor deixa pressuporá inevitabilidade de uma mudança, que abra espaço à esperança de quem dela foi tão ultrajantemente desprovido.

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