segunda-feira, abril 22, 2019

(AV) Paula Becker, uma artista na viragem do século


Ignorância é o que confesso ter tido relativamente à pintora Paula Becker, sobre cuja curta vida vi um documentário esta tarde. Nascida numa família burguesa de Dresden em 1876, desde muito cedo revelou talento para o desenho. Razão para que os progenitores lhe tenham financiado estudos de belas artes em cursos exclusivamente femininos, mas que lhe deram o ensejo de conhecer um dos mais reconhecidos artistas da época, Otto Modersohn. Ele elogiou-lhe o talento na expressão dos retratos, que ela reproduzia na tela a partir dos mais expressivos rostos com que se cruzava.
A azougada rapariga atirou-se-lhe literalmente aos braços mas, casado, ele resistiu-lhe o mais que pôde, até se lhe ir juntar em Paris, onde ela se entusiasmava com os impressionistas e, sobretudo, com todas as promessas de futuro anunciadas pela Feira Universal, que teria na inauguração da Torre Eiffel o seu símbolo maior.
O entusiasmo dos amantes teve curta duração: chegou um telegrama a informar Otto da morte da mulher, vitimada pela tuberculose, e ele, de má consciência, regressou a casa para tomar conta da filha. Paula foi atrás e convenceu-o a casarem-se ainda a defunta não estava enterrada há três meses.
Artisticamente a relação do casal  revelou-se perfeita: partilhavam um diário, serviam de modelo um ao outro, a sintonia parecia perfeita. Mas ... sexualmente nada. Mas mesmo nada! Otto nem por uma vez cumpriu os deveres conjugais e Paula acabou por cansar-se, regressando a Paris.
O almejado sucesso artístico não ocorreu: embora pintasse incessantemente, as suas telas não se vendiam. Nelas um tema começava a surgir com obsessiva frequência: autorretratos em que se expunha grávida, tema de que se tornou pioneira, porque inexplorado até então.
A miséria tornou-se sua companheira. Ademais, Otto sentiu violentamente o vazio deixado pela sua partida, ficando num impasse criativo, que o levou a nada pintar. Não admira que se multiplicassem em cartas a retratar-se, a prometer-lhe mudar. E ela recebeu-o em Paris voltando a viver umas semanas de fulgor amoroso e artístico. Porque carnalmente o casal comportou-se como que à procura do tempo perdido. Paula viu, enfim, concretizado o sonho: um bebé começa a dar presença de si no seu ventre.
Porque confiou nas vantagens do parto no país natal, o casal regressou a casa, nascendo-lhes Mathilde em novembro de 1907. Mas a gravidez revelou-se esforço excessivo para quem estava demasiado fragilizada pela penúria em que subsistira nos anos anteriores: dezoito dias depois do parto, Paula não resistiu a uma embolia pulmonar. Tinha trinta e um anos, pintara setecentos e cinquenta quadros e mais de mil desenhos.
Ao contrário de Otto, cuja obra não resistiria ao juízo dos críticos do século XX, condenando-se a inapelável esquecimento, Paula Becker continuou a ser valorizada como um dos maiores vultos da arte alemã da viragem do século XIX para o século XX, havendo em Bremen um museu que lhe é exclusivamente dedicado.

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