segunda-feira, abril 15, 2019

(AV) Delacroix e os eventos históricos do seu tempo


É o quadro mais conhecido de Delacroix: «A Liberdade guiando o povo» surgiu-lhe como tema incontornável em 1830, na sequência das lutas populares, que obrigaram Carlos X a rabdicar, vendo-se substituído por Luís Filipe, que possuía do exercício do poder uma perspetiva mais parlamentarista. Olhando para a obra julgar-se-ia que o autor era arreigado revolucionário, ciente das relações de força entre os exploradores e os explorados do seu tempo, e a estes últimos apoiando. Não poderíamos estar mais distantes da realidade: nos diários, que escreveu ininterruptamente desde os seus 24 anos até à morte, o artista é o primeiro a reconhecer o desinteresse pelas lutas políticas do seu tempo, interessando-lhe prioritariamente o exercício do talento e a correspondente remuneração.
Dir-se-ia que esse quadro inspirador, para quem dele colhe mensagem emancipadora para os humilhados e ofendidos, foi um mero acaso na longa carreira de pintor oficial do Estado francês. Como quase pareceu esdrúxula a viagem a Marrocos na companhia do diplomata Charles de Mornay e que o lançaria numa inesperada aventura estética, ao despertar-lhe soluções prenunciadoras do impressionismo. Os sete cadernos, onde multiplicou desenhos a carvão e a pastel, coloridas aguarelas e inúmeras reflexões, ficaram para a posteridade como o primeiro exemplo de adoção desses formatos como ferramentas imprescindíveis de registo de tudo quanto o ia estimulando ao longo da viagem.
A estadia de vários meses em Tânger, e depois em Meknes, foi-lhe mais vantajosa do que se incidisse na Itália e na Grécia a exemplo dos intelectuais novecentistas, instados a ali procurarem o elo de ligação com a mui admirada cultura antiga. Iniciada no primeiro dia do ano de 1832, a experiência facultar-lhe-ia o contacto com insuspeitáveis realidades feitas de cores, odores e sons até então seus desconhecidos. E, no entanto, já era artista de renome: dez anos antes o Salon du Louvre consagrara-o dando lugar de destaque a obra com que concorrera ao evento, «A Barca de Dante», que ilustrava a descida do poeta aos infernos guiado pelo seu antecessor Vergílio. Mas, conhecera de permeio algumas críticas ferozes, quando procurara impor opções estéticas muito desviadas das que a sociedade do seu tempo estava preparada pra normalizar. Foi o caso de «A Morte de Sardanapalo» (1827), que enervou os detratores devido à impúdica e ostensiva nudez feminina.
A experiência no Norte de África foi-lhe enriquecedora pela recolha dos rascunhos e esboços, a que abundantemente recorreria nos anos seguintes, e lhe dariam justificados créditos enquanto especialista nos temas orientalistas. Ora, como se tornou moda apreciar esse lado exótico da cultura dos que se começavam a colonizar, Delacroix conheceu até 1864, data da sua morte, um sucesso ininterrupto, com os colecionadores a competirem por adjudicarem prioritariamente os seus quadros. E artistas mais novos como Van Gogh, Matisse e Picasso tê-lo-iam como referência para obras mais ou menos explicitamente inspiradas por ele.

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