sexta-feira, abril 26, 2019

(DL) A visão da China que Yu Hua nos faculta


Numa entrevista a Luís Caetano, Yu Hua lembra a época em que, jovem médico, foi colocado numa zona de província muito afastada das grandes cidades e em que deveria prestar serviços de saúde não só aos operários das fábricas e aos camponeses, mas também às crianças das escolas. Mas como a pobreza predominava não havia recursos para, nos processos de vacinação, se usar uma seringa só uma vez, devendo ser reutilizada nas semanas seguintes. Por isso, todas as noites, ele tentava repará-las de forma a estarem nas melhores condições possíveis nos dias seguintes. Mas, se elas entravam na carne dos vacinados sem problema, quando se retiravam traziam sempre um pedacinho de carne.
Ora, se quando isso sucedia com os operários e os camponeses, ele não valorizava a dor, que isso significava, só passou a dar-lhe a devida importância, quando passou a ocorrer com as crianças e elas berravam de medo, antes mesmo de serem picadas. Só então passou a sentir real empatia com quantos até então causara indiferente dor.
Mais adiante, na mesma excelente entrevista, ele conta como a China evoluiu significativamente desde o fim da Revolução Cultural, com as reformas impostas por Deng Xiaoping, e isso se sentiu nos templos budistas. Reabertos depois de terem estado fechados nas décadas anteriores, têm dois sítios específicos para acenderem velas, um onde se fazem votos de Fortuna, de Riqueza, o outro onde se aspira à Paz e à Tranquilidade. Ora, nos anos 80, quase todas as velas concentravam-se no primeiro local, estando o segundo quase delas isento. Agora sucede o contrário: o capitalismo selvagem, que hoje prevalece no grande país oriental, faz as pessoas preferirem a paz e a tranquilidade à fortuna.
Não admira que um inquérito recente, sobretudo respondido por jovens, tenha dado como resultado, que 80% veriam como positiva a hipótese de, sendo possível, Mao ressuscitasse para o mundo dos vivos. Claro que quem respondeu não fazia a menor ideia de quão difícil era a vida nessa altura, mas mistificava-a como passível de lhes conceder como aquilo que mais anseiam.

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