quarta-feira, abril 24, 2019

(DIM) Jean Luc Godard e o seu Livro de Imagens


Ficou-nos acessível o mais recente filme de Jean Luc Godard, o seu «Livro de Imagens», que mereceu uma Palma de Ouro Especial no mais recente Festival de Cannes. Nele procura demonstrar a tese segundo a qual a única coisa, que sobrevive a cada época, é a forma de arte nela criada.
Aos 88 anos o realizador, há muitos anos radicado na Suíça, quase passou à clandestinidade em relação à paisagem cinematográfica, mas deu sinal de vida com a compilação de fotografias, de imagens de arquivo, de desenhos, de extratos de filmes, que só os espectadores da Croisette tinham tido a sorte de conhecer.
O trabalho, a contestação e a política são os três vértices do triângulo em que podemos incluir toda a obra do realizador. Sobre o trabalho foi determinante ter recebido, em criança, um verseto da Bíblia no dia da sua confirmação segundo o rito protestante, em que se dizia não merecer alimentar-se quem  não se empenhasse 
 no trabalho. Daí que tenha seguido à letra a recomendação e tão só chegado ao Quartier Latin se esforçasse em ver tudo quanto podia nos cineclubes, logo escrevendo sobre essas experiências, enquanto crítico dos «Cahiers du Cinéma».
Aos 29 anos já está a apresentar a sua primeira longa-metragem, «O Acossado», que tinha um tal Jean Pierre Belmondo como protagonista e se anunciava como diferente de tudo quanto se fazia cinematograficamente nesse ano de 1959. Sessenta anos depois já realizou cento e cinquenta filmes.
A contestação tem surgido como o elemento motor da sua vida. Toda a sua obra é uma querela permanente contra o cinema tradicional, pouco se interessando pela narração e privilegiando as colagens. A forma importa mais do que o conteúdo: quando um dia lhe perguntaram o que teria querido dizer com os seus filmes, ele respondeu nada. Porque lhe importara bem mais o mostrar...
Razão para considerar que o Cinema é hoje inexistente, os filmes comerciais são abomináveis, e a maioria dos realizadores não passam de zombies, que se repetem em tudo quanto fazem. Ele diz que a realidade pouco lhe interessa, porque as televisões falam demais, e mostram de menos. O seu terreno preferencial é o da luta política. Por isso mesmo Anne-Marie Miéville, que com ele tem vivido nas décadas mais recentes, já lhe sugeriu como epitáfio a afixar-lhe no túmulo: «Pelo contrário...»!
O seu cinema é político, porque não cessa de interrogar a época em que vive. É o que faz com o seu «Livro de Imagens», que mistura ficção e documentário para denunciar como a nossa Terra continua embebida em sangue. Como de costume recorre a múltiplas citações como aquela em que diz serem de somenos as nossas reflexões e as experiências vivenciadas, porque muito mais importa a tenacidade silenciosa com que as temos defrontado.

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