Manual de Sobrevivência de um Escritor é o mais recente título de João Tordo e trata-se de uma mescla de reflexões pessoais sobre como se tornou escritor e um exercício estimulante sobre idênticos propósitos assumidos por muitos outros escritores a propósito do mesmo tema. Colateralmente tende a servir de orientações para os leitores também tentados a darem o salto dessa condição para a de criadores literários.
Revelando uma erudição, que nada deve à petulância, porque se manifesta com humilde naturalidade, ele lembra que Gabriel Garcia Marquez terá apontado o início da ficção literária no momento em que Jonas chegou a casa e quis convencer a mulher quanto à razão para ter-se demorado três dias desde quando dela se apartara. Convenhamos que o alibi de gastá-los dentro da barriga da baleia não se revelaria muito crível, obrigando a senhora a imitar os leitores, impelidos a acreditarem na verosimilhança das mais variadas narrativas por muito esdrúxulas que lhes pareçam.
Tordo recorda, igualmente, outra perspetiva colhida num dos seus autores de referência, sobre residir na realidade o verdadeiro mistério, afinal menos provável na fértil imaginação do aprendiz de feiticeiro apostado em preencher com letras próprias as páginas em branco.
Nos dois primeiros capítulos que levo lidos deste Manual Tordo escusa-se a citar outra fórmula bem conhecida do Nobel colombiano: a da necessidade de se viver para que a escrita aconteça com a maior das facilidades. Mas essa constatação está presente no texto, quando relaciona os grandes romances de Dostoievski com a experiência do seu exílio siberiano ou o «Moby Dick» de Melville com os anos vividos pelo autor nos mares do sul enquanto marinheiro de navios mercantes ou baleeiros. E partindo daí Tordo lembra os pretéritos romances relacionando-os com acontecimentos da sua biografia, que melhor explicam como eles se lhe tornaram urgentes, obrigando-o muitas vezes a chegar atrasado a compromissos ou a não dar resposta a telefonemas, porque, tão só lançado no exercício da escrita, tudo o mais se torna secundário. E esse afigura-se um dos seus primeiros conselhos: haja vontade de escrever e nada do que se passa à volta deve ser motivo de distração. Porque, lembra citando Margaret Atwood, o pior que pode acontecer ao escritor é ser interrompido...
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