sexta-feira, julho 24, 2020

(DIM) Maria, Rainha dos Escoceses


Há quem considere infeliz a coincidência da estreia deste filme com a de A Favorita, de Yorgos Lanthimos, que conseguiu sucesso mais substancial em torno do mesmo tema de conspirações e intrigas em cortes britânicas. No papel de Rainha Ana, Olivia Colman chegou ao Óscar de Melhor Atriz, o único que esse filme concorrente teve das dez categorias para que fora nomeado.
Recuando dois séculos o percurso de Maria Stuart é até mais interessante do que o da Rainha Ana, mesmo que mereça da estreante Josie Rourke uma abordagem pouco respeitadora da realidade histórica. Mas se entre esta e a lenda, escolhe-se a mais ajustada para que a intriga se torne palpitante como criticar o argumentista, o conhecido Beau Willimon, que já nos dera ensejo de apreciar-lhe o talento para congeminar traições e manipulações na série House of Cards?
Houve igualmente quem associasse o filme ao movimento MeToo, então no auge mediático por causa das acusações contra o produtor Harvey Weinstein. Assim, mais do que explorar as conjuras financiadas por Isabel I para derrubar a prima católica, a realizadora opta por as fazer protagonistas da luta contra os poderes patriarcais, que tendem a submete-las.
A cena inicial mostra como uma e outra, adotando estratégias diferentes, conhecem desenlaces opostos. A montagem justapõe Maria e Isabel a percorrerem corredores, uma encaminhando-se para o cadafalso, a outra enredando-se nas torturadas divagações de quem se negou a ser mulher e mãe como estratégia eficaz de sobrevivência perante uma corte, que despreza a sua condição feminina. No fim dessa justaposição de planos-sequência ambas olham para cima, uma para ver a neve pela última vez, a outra para conjeturar as consequências morais de ter assinado a ordem de execução da prima.
Oriunda do teatro, onde conquistou fama como encenadora, Josie Rourke revela-se demasiado académica na concretização do projeto: enquanto Isabel é, amiúde, iluminada pela luz solar, Maria está condenada a movimentar-se sob céus sombrios ou nos salões escuros de palácios, que não chegam a contagiar-se no aspeto lúgubre com a alegria das suas festas e brincadeiras com as aias. As paisagens escocesas ajudam a compor uma fotografia, que chega a ser magnífica, as interpretações irrepreensíveis, todo o cuidado com a reconstituição, quer dos cenários, quer do guarda-roupa é o que costumamos encontrar nas melhores produções britânicas. E há a banda sonora de Max Richter, quase por certo um dos melhores compositores de músicas para filmes nos dias atuais.
Há, porém, algo que sempre me incomoda, provavelmente por preconceito: ver cortesãos britânicos do século XVI com tez negra ou asiática. No teatro, com as suas convenções próprias, isso não me suscita reparo, mas num filme apostado em suscitar a verosimilhança de sugerir como aparentavam as épocas passadas, esse sintoma de modernidade tende-me a ver posta em causa a pretendida credibilidade.
Quando chegamos ao final, que já conhecíamos de antemão, podemos amplificar a análise concluindo que o poder assente numa só pessoa, tende a ser alvo de constantes conspirações, porque é próprio dos cortesãos tudo fazerem para conseguirem maiores proveitos do que os seus méritos justificariam. No fundo os argumentos religiosos ou sexistas mais não servem do que de alibis para que gente sem escrúpulos - e aqui são tantos os que rodeiam as duas rainhas! - se exceda em malignas ações.

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