sábado, julho 25, 2020

(DIM) O Quadrado



Dos atuais realizadores escandinavos Ruben Östlund é o que tem apresentado obras mais estimulantes. Palma de Ouro em Cannes em 2017 e Óscar do Melhor Filme Estrangeiro no ano seguinte, O Quadrado enquadra-se perfeitamente nas intenções de colocar o espectador perante situações bizarras, que o levem a questionar-se sobre o que fariam se estivessem na pele do protagonista.
Neste filme conhecemos Christian, bem sucedido conservador num prestigiado museu de arte contemporânea em Estocolmo prestes a estrear uma exposição sobre altruísmo, que tem no quadrado o foco inspirador. Esse espaço de 4 x 4 metros, demarcado  no pavimento à entrada da instituição, deverá representar o sítio onde todos são iguais em direitos e deveres e quem necessitar de ajuda solidária a encontrará sem pejo. Mas não tarda que Christian se veja submetido a dura prova pessoal, quando se vê vítima de um grupo de carteiristas capazes de, sem disso se dar conta, espoliarem-no da carteira, do telemóvel e dos botões de punho herdados do avô. A diferença entre a teoria e a prática irá infernizar-lhe os dias seguintes...
A frustração de se ter visto enganado leva-o a duvidar das vantagens de confiar nos outros. E pior, quando o gps lhe localiza o telemóvel num edifício situado num dos bairros mais pobres da cidade, vai distribuir uma mensagem por todos os andares a dar 24 horas ao ladrão para devolver o que lhe fora roubado sob pena de o confrontar com as consequências do seu ato.
Tal como já constatáramos em Força Maior (2014), quando víamos o desmoronamento de uma família, após a fuga do pai da avalanche que ameaçava tragar a estância alpina onde passava férias, sem cuidar da salvação da esposa e dos filhos, Östlung repete em O Quadrado o exercício sociológico de interpretar a relevância do grupo nos comportamentos individuais. Põe, igualmente, em causa o mundo da arte contemporânea, com tantas obras semelhantes umas às outras, justificadas por conceitos quantas vezes difíceis de compreender, e na realidade nada tendo a ver com a vida das pessoas, nem lhes suscitando nada de particularmente relevante. A performance do artista russo, que mimetiza um descontrolado símio no jantar de angariação de fundos, fazendo com que os mecenas convidados se sintam ameaçados, se não mesmo agredidos, será determinante para que o futuro do protagonista fique em causa.
A crítica estende-se, igualmente, às mensagens publicitárias, iniciando-se a queda de Christian do pedestal, ao distrair-se do essencial e deixando que o museu surja associado a um filme promocional da próxima exposição onde se vê uma bonita criança loura de três ou quatro anos a explodir por efeito de uma bomba dentro do quadrado. Está em causa a forma como se procura obter a atenção dos jornais e das televisões, que não chegam a ajuizar os efeitos colaterais de certos conteúdos pensados para suscitarem a atenção dos que consomem as mensagens noticiosas e facilmente se enredam nas intenções pouco escrupulosas dos que as usam habilmente para satisfazerem as agendas de extrema-direita.
Óbvia igualmente a diferença entre a elite endinheirada a que Christian pertence e os pobres, que se veem por todo o lado, seja como sem-abrigos à beira dos edifícios públicos, seja como mendigos que tanto incomodam os transeuntes. A imagem de uma Suécia próspera, onde todos usufruíam excelentes condições socioeconómicas, desaparece perante uma realidade naturalmente associada à forma como as instituições públicas responderam à chegada de milhares de refugiados políticos ou emigrantes económicos, possibilitando o fortalecimento das forças políticas xenófobas e racistas. Christian não compreende porque não há quem se ocupe dos pedintes e dos que dormem nas ruas, livrando-o do incómodo de com eles ser forçado a preocupar-se.
Há, finalmente, o confronto com o miúdo que vem exigir-lhe um pedido de desculpas, porque tinha-o colocado em causa perante o pai, convencido de ser ele o ladrão. Nesse despique Christian precipita involuntariamente o miúdo pelas escadas abaixo do seu prédio, sendo-nos vedada a constatação de como ele ficara. E, quando no final, já desempregado e mal barbeado, vai procura-lo para cumprir o que lhe exigira já não o encontra. Um vizinho informa-o da mudança da família para endereço desconhecido, deixando Christian perante o remorso de não conseguir retratar-se.
Em menos de duas horas e meia de filme, Östlund congrega um conjunto significativo de questões merecedoras de demorada reflexão de quem as sente pertinentes. E consegue incomodar o suficiente para que não esqueçamos o quanto com elas nos vimos confrontados.

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