quinta-feira, julho 09, 2020

(AV) Atelier Nadar, boulevard des Capucines


No início de 1850 Nadar era um tenaz opositor ao regime de Napoleão III, que caricaturava em ilustrações publicadas nos jornais da época. Tinha trinta anos e vivia com a mãe na Rua Saint-Lazare  junto à estação ferroviária homónima, a primeira criada em Paris treze anos antes.
Quase coincidente com essa inauguração acontecera a apresentação do primeiro processo de registo da realidade em placas de cobre: os daguerreótipos. Para a alta sociedade parisiense a possibilidade de eternizar-se em retratos resultara num tal entusiasmo que o atelier de Gustave de Gray ganhou súbita notoriedade ensinando os respetivos alunos a dominarem os processos químicos pelos quais essas imagens eram captadas. Foi nele que Félix Nadar matriculou o irmão, Adrien, em quem os almejados talentos de pintor se haviam revelado assaz limitados. Logo que o soube capacitado a exercer o ofício de fotógrafo de retratos instalou-lhe o atelier no boulevard des Capucines, décadas depois celebrizado pela primeira sessão do cinematógrafo dos irmãos Lumière. E porque, entretanto, se entusiasmou com essa nova arte, o próprio Félix montou o próprio atelier na sua residência.
O negócio de Adrien depressa entra em crise e, embora recém-casado com Ernestine Lefèvre, Félix vai dar-lhe uma mão contando com a ajuda dos seus muitos amigos do mundo das artes e das letras, que vêm posar perante a sua câmara. Entre os primeiros contam-se Baudelaire, Théophile Gautier, Alexandre Dumas, Gustave Doré e até Gérard de Nerval, poucos dias antes de se suicidar.
O atelier volta a emergir financeiramente e Adrien, que passa a chamar-se «jovem Nadar», pede ao irmão para dele se afastar. Os irmãos zangam-se embora só após a morte da mãe em 1860, é que Félix impõe judicialmente que o único detentor da marca Nadar é ele próprio. Na fachada do edifício da rua Saint Lazare aparece a inscrição «Seule maison Nadar (sans succursale)». A ele acorreu um fluxo contínuo de clientes dispostos a verem-se reproduzidos pela câmara do fotógrafo que passou a dedicar quase todo o esforço criativo a essa opção artística. As melhorias técnicas, que implementa, permitiam expressões dos retratados com uma naturalidade decorrente de se terem livrado da obrigatoriedade de ficarem minutos intermináveis perante a câmara. Em escassos segundos Nadar captava-os espontaneamente sem quase se darem conta de terem ficado definitivamente registados. Ele sente ser essa a única forma de ir para além das aparências e alcançar a dimensão do retrato psicológico.
Nesse início da década de 60 Nadar queria não só reaver o nome como impor um estilo fotográfico de que só ele parecia ter os segredos. Daí que ganhasse numerosas medalhas em França e noutros países com as fotografias enviadas aos muitos concursos já então organizados um pouco por toda a Europa.
A falência de Adrien resolveu uma dessas preocupações e Félix sentiu demasiado exíguo o espaço onde trabalhava ocupando doravante aquele onde Le Gray ganhara fama. Na fachada apareceu um reclame concebido artisticamente por Auguste Lumière, que ostentava o sucesso do fotógrafo chegado ao auge do seu percurso. Muito embora já começasse a visar outros objetivos...

Sem comentários: