Comercialmente A Prisão foi um fracasso, o que significou o fim da colaboração de Ingmar Bergman com a Terrafilm. No mesmo ano a Svenk Filmindustri acena-lhe com outro projeto, que significou o retrocesso de se ver a adaptar textos alheios ao cinema. No caso de A Sede eles eram uns contos da autoria de Birgit Tengroth com quem contaria para também interpretar o papel de Viola. E porque associava diversas histórias numa outra, carecida de alguma coerência, a construção do argumento revelou-se desconexa, dando ao filme uma estranheza suficiente para surpreender o espectador. Não será, por isso mesmo, um dos grandes títulos do realizador, mas valerá a pena conhecê-lo para identificar-lhe muitas das características detetáveis nos filmes posteriores.
A tal história, que cimenta as demais, tem por protagonistas Rut e Beril, um casal que regressa à Escandinávia depois de umas férias em Itália, atravessando uma Alemanha ainda marcada pela recente derrota na guerra, com os edifícios em escombros e as hordas de mendigos.
Eva Henning é a protagonista e no papel do marido está o incontornável Birger Malmsten, então o ator bergmaniano por excelência. A relação entre ambos é tensa, perpassada por disputas e reconciliações, mas, sobretudo assombrada pelas suas pretéritas relações.
Rut viveu um grande amor com um homem casado, Raoul, que a forçara a abortar, quando involuntariamente engravidara. A operação tivera para ela graves consequências: não só abandonou a carreira de bailarina onde se contava realizar, como, sobretudo, deixou de poder repetir a experiência da maternidade.
Por seu lado Bertil teve um caso amoroso com uma viúva, Viola, que está por essa altura a viver circunstâncias particularmente dramáticas: um psiquiatra tenta violá-la e, quando encontra abrigo junto de uma amiga de Rut, Valborg, esta também procura seduzi-la. Em desespero de causa acabará por suicidar-se.
Compreende-se então que o filme é feito de recuos no tempo ou de histórias temporalmente paralelas, todas elas convergindo para o tema das infelicidades afetivas numa sociedade com fartos sinais de estar arruinada.
Bergman ora recorre a longos planos-sequências, ora impõe uma aceleração de raccords, que se destinam a sugerir sentimentos ou acontecimentos. Nas cenas noturnas e sombrias, passadas no comboio, surgem planos luminosos - os de um amor idílico numa ilha ou as cenas de dança - que culminam em tristeza, em desilusão.
A relação de Rut e de Bertil tende a fissurar-se, com ele a quase convencer-se de a ter matado durante uma zanga mais violenta, mas tratara-se de uma hipótese fantasmática porque, na realidade, ambos acabam por apostar numa nova oportunidade para voltarem a acertar o passo.
Tratando-se de mais uma obra cujo maior mérito terá sido o de possibilitar mais um avanço no lento tirocínio para Bergman tornar-se no mestre reconhecido da década seguinte, A Sede vale bem mais do que o acantonamento de curiosidade cinéfila em que alguns a situam.
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