domingo, julho 05, 2020

(DL) Nadar antes da vocação de fotógrafo


Admirável Nadar. Contraditório Nadar, ao mesmo tempo revolucionário e burguês, artista e empreendedor. Mas tenaz interessado pelo que a ciência e a modernidade iam desvendando. E amigo dos grandes escritores e artistas do seu tempo.
Os contemporâneos surpreendiam-se com o seu talento e determinação. Baudelaire, porventura, o melhor dos muitos amigos, diria ser ele a mais veemente expressão da vitalidade.
Se hoje o lembramos - mal! - por causa da sua atividade de fotógrafo, foi sucessivamente folhetinista, ilustrador, caricaturista e balonista. Embora de todas essas atividades tenha sido a fotografia a que melhor justifica a notoriedade pela intuição em captar o expressivo olhar dos que retratava. E se conhecemos os rostos dos intelectuais mais importantes da segunda metade do século XIX francês, muito devemos ao facto dele os ter atraído ao seu atelier - que Carlos Relvas procuraria imitar na Golegã! - depois de deles se ter feito animado amigo nas noites de boémia da juventude no Quartier Latin.
À nascença chamava-se Gaspard-Félix Tournachon e a família ganhava o sustento com a sua tipografia. Ainda estudante, começou a dar uso às máquinas de impressão como crítico de teatro  em vários jornais. E depressa deu o contributo para um género literário então muito em voga: o dos folhetins que, diariamente, cativavam leitores  para publicações, onde buscavam diversão para as monótonas existências. Os de Nadar, que ainda só assinava como Félix Tournachon, punham em causa a sociedade burguesa tal qual a via a sua geração romântica, ocupada com discussões estéticas e políticas, divagações, mudança frequente de casa (para escapar aos credores) e até duelos...
Antes de adotar o pseudónimo, que o tornaria famoso, ainda escreveu três romances, que o integraram definitivamente nas tertúlias literárias da década de 30 do século XIX. Na viragem da década adotou o novo nome, sobretudo quando ganhou fama como talentoso caricaturista a partir de 1846. No ano seguinte Le Journal du dimanche publicou a sua «Galeria de Literatos» com cinquenta personalidades do mundo literário. Cada retrato fazia-se acompanhar de um comentário pertinente cuja justeza ninguém se atrevia a contestar. E, em 1854, renovou a fórmula com o célebre Panteão Nadar onde ilustrava trezentos intelectuais considerados como tendo garantida a posteridade.
Vivia-se então o Segundo Império resultante do golpe de Estado que impusera a ditadura liderada por Napoleão III. E Nadar era tido como um dos seus proeminentes inimigos.

Sem comentários: