No início dos anos 70 os filmes de Claude Chabrol estreavam regularmente em Portugal porque, apesar das simpatias políticas do realizador, a censura não considerava problemática a crítica social a eles subjacente. E, no entanto, bastava detalhar-lhes um pouco mais as sugestões implícitas para lá encontrar o outro lado de uma ambiência pequeno-burguesa tranquila, afinal condicionada pelo que ela recalcava intimamente. Era o caso de O Carniceiro, datado de 1970 e estreado entre nós, quase ao mesmo tempo que o título anterior do cineasta: Requiem para um Desconhecido.
Para a cena do casamento do início do filme, Chabrol instalou-se com a equipa de técnicos e de atores numa pequena aldeia do Périgord, Trémalat, cujos habitantes foram convidados a servirem de figurantes. Mostrava-se a tranquila pacatez de uma aldeia com edifícios ocres construídos em pedra e tão reconfortantes ao olhar quanto a paisagem das margens do rio.
Nessa festa Hélène (Stéphane Audran), professora que viera de Paris depois de um desgosto amoroso, conhece o homem do talho, Popaul (Jean Yanne) e a empatia entre os dois parece promissora. Depressa, porém, as coisas se complicam: aparece um primeiro corpo de jovem mulher apunhalado numa floresta e logo, de seguida, Hélène dá com o cadáver da jovem noiva da festa inicial à beira de uma falésia.
Começa a desconfiar de Popaul, mas contraria-se a de tal se convencer, embora os acontecimentos subsequentes deem razão ao que intuíra. Descobrimos, então, que o assassino trouxera instintos psicopatas das guerras na Indochina e na Argélia. O que nos faz imaginar no que, sobre isso, terão pensado os censores marcelistas em plena guerra colonial!
E acresce uma outra cena fundamental, quando Hélène leva os alunos a uma gruta onde lhes mostra pinturas rupestres do Cro-Magnon, da época em que os homens tentavam domesticar os animais. Reside aí a metáfora dela descobrir em Popaul um lado selvagem, que nem a sua atração conseguira domesticar. A propósito do filme Chabrol justificaria o filme em torno da questão de saber porque existe sempre um lado Cro-Magnon no ser humano?
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