segunda-feira, julho 20, 2020

(DIM) Um crime nas margens do rio Dordogne


No início dos anos 70 os filmes de Claude Chabrol estreavam regularmente em Portugal porque, apesar das simpatias políticas do realizador, a censura não considerava problemática a crítica social a eles subjacente. E, no entanto, bastava detalhar-lhes um pouco mais as sugestões implícitas para lá encontrar o outro lado de uma ambiência pequeno-burguesa tranquila, afinal condicionada pelo que ela recalcava intimamente. Era o caso de O Carniceiro, datado de 1970 e estreado entre nós, quase ao mesmo tempo que o título anterior do cineasta: Requiem para um Desconhecido.
Para a cena do casamento do início do filme, Chabrol instalou-se com a equipa de técnicos e de atores numa pequena aldeia do Périgord, Trémalat, cujos habitantes foram convidados a servirem de figurantes. Mostrava-se a tranquila pacatez de uma aldeia com edifícios ocres construídos em pedra e tão reconfortantes ao olhar quanto a paisagem das margens do rio.
Nessa festa Hélène (Stéphane Audran), professora que viera de Paris depois de um desgosto amoroso, conhece o homem do talho, Popaul (Jean Yanne) e a empatia entre os dois parece promissora. Depressa, porém, as coisas se complicam: aparece um primeiro corpo de jovem mulher apunhalado numa floresta e logo, de seguida, Hélène dá com o cadáver da jovem noiva da festa inicial à beira de uma falésia.
Começa a desconfiar de Popaul, mas contraria-se a de tal se convencer, embora os acontecimentos subsequentes deem razão ao que intuíra. Descobrimos, então, que o assassino trouxera instintos psicopatas das guerras na Indochina e na Argélia. O que nos faz imaginar no que, sobre isso, terão pensado os censores marcelistas em plena guerra colonial!
E acresce uma outra cena fundamental, quando Hélène leva os alunos a uma gruta onde lhes mostra pinturas rupestres do Cro-Magnon, da época em que os homens tentavam domesticar os animais.  Reside aí a metáfora dela descobrir em Popaul um lado selvagem, que nem a sua atração conseguira domesticar. A propósito do filme Chabrol justificaria o filme em torno da questão de saber porque existe sempre um lado Cro-Magnon no ser humano?

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