sábado, julho 11, 2020

(DL) A falácia da dessacralização da Literatura


No seu Manual de Sobrevivência de um Escritor, João Tordo cita uma frase de Graham Greene a propósito do enredo de um romance: “uma história não tem princípio nem fim. Arbitrariamente, escolhemos aquele momento da experiência a partir do qual olhamos para trás ou a partir do qual olhamos para a frente”. É verdade! Quantos romances misturam tempos, recorrendo ao flash back para explicar uma situação a partir do sucedido no passado ou antecipando o que viria a suceder muito depois como consequência das opções tomadas no presente?
O momento atual está a tornar-se obsessivo na literatura atual, constata Tordo, que justifica a afirmação com os muitos casos de romances com o presente do indicativo como tempo verbal predominante. Talvez por aparecerem demasiados «autores», que justificam o escasso talento com a defesa de uma literatura «dessacralizada», ou seja ao alcance de qualquer um que queira enfrentar o preenchimento das páginas em branco. Para o autor “isto é tão verdade como dizer que eu estou habilitado a fazer cirurgias ao coração só porque vesti a bata de um médico” e arrisca a necessidade de duplicar o tempo de formação e experiência deste último a quem quiser fazer literatura digna desse nome. Porque, olhando para grandes romances, que lhe servem de referência - Crime e Castigo, A catedral ou Os Detetives Selvagens - Tordo lembra qual a matéria que deve versar: “O que é um Homem senão um conjunto improvável de qualidades e defeitos, unidos pela profunda contradição que existe entre os seus desejos e a vida tal como ela é?”

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